quarta-feira, julho 27, 2005

Livro *** REMOS PARTIDOS *** editado em 1983





(Fotografia de Ana Loura)


REMOS PARTIDOS

Na crista das ondas, voguei
Na barca da minha vida …
Tinha largos horizontes,
Mesmo de esperança perdida …

Depois, a brisa soprava …
E a barca, lenta, seguia …
Vagarosa navegava,
E incerta, lá ia, lá ia,
E nas ondas balançava…
Mesmo de ramos partidos,
Ao sabor do mar corria…

E assim foi, lá foi seguindo,
E os anos foram passando …
Noites de luar sorrindo,
Noites de Inverno chorando! …

E a barca da vida lá ia,
Lentamente navegando …
Quebrado o leme, rota a vela,
Remos partidos … lá ia ela,
Baloiçando, baloiçando,
Levando a minha alegria!

Vida sem norte e sem rumo!
Sem forças para navegar,
Trago meus remos partidos
Ando à deriva no mar,
Num mar de sonhos perdidos
Que jamais pude encontrar! …


Trago meus remos partidos,
E mais não posso avançar.
E por isso ando cantando,
Com vontade de chorar!

Remos partidos
São meus poemas …
Poemas caídos,
Na crista das vagas,
Vogando sozinhos,
Perdidos no mar! …


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ILHA DE SANTA MARIA

Quem pode partir, um dia,
Sem nunca mais te lembrar?!...
Ó minha Santa Maria,
Quem te pudesse abraçar!

Tenho saudades de ti,
Dos teus vales, dos teus montes …
Foi por ti que me perdi,
Ouvindo o canto das fontes…

… E dos grilos, ao luar,
Nas noites quentes de estio,
Da brisa que vem do mar,
No Inverno, cinzento e frio.

Se, na tua soledade,
Te debruças sobre o mar,
Mais cresce em mim a saudade
De te ver e te abraçar ! …

Ó minha Santa Maria,
Ilha tão abandonada …
Rainha fizeram-te, um dia …
Hoje, escrava, não tens nada ! …

Onde estão as velas brancas
Dos teus moinhos de vento,
Que a brisa punha a girar,
Em constante movimento?

E o moleiro já cansado,
Subindo a colina, tinha
No velho rosto, enrugado,
Sulcos fundos de farinha! …

E na tarde, quando o sino
Dobrava, ao longe, Trindades,
Marcava no seu destino,
Um destino de saudades ! …

Tuas santas tradições,
Em Maio, mês de Maria,
No Terço e nas orações
Que, nas aldeias, de dia,

O povo ia rezando,
Mesmo ao sair das igrejas,
Para casa, caminhando …
Bendita, bendito sejas,

Santa Maria, ilha Santa …
Que tudo e tudo ceitas,
Mesmo de esperanças perdidas …
Mesmo de esperanças desfeitas! …

Ilha de Santa Maria!
Ó minha terra adoptiva!
Nunca mais te esquecerei,
Por muito e muito que viva.

…………………..
Quem pode partir, um dia,
Sem nunca mais te lembrar ?
Ó minha Santa Maria,
Quem te pudesse abraçar ! …


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DEIXA-ME PASSAR


Não sei quem és …
Mas, quem quer que sejas,
Deixa-me passar.
Não ergas barreiras
Ao meu caminhar.
Que eu tenho por Norte
O Bem e o Amor,
E o Amor é mais forte
Do que o teu rancor.

Deixa-me passar!
Que importa que eu leve um rumo diferente
Do teu caminhar?
Se é bem verdade
Que as pedras que pisas
Eu piso também,
É bem mais verdade
Que eu trago, na alma, riquezas de amor
Que a tua não tem!

Deixa-me passar …
Que, em meu coração, eu trago um tesouro
De Paz e de Amor, de Amor e Perdão …
E tudo que tenho é para te dar!

Não me ergas mais barreiras,
Não!
Deixa-me passar! …


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POEMA DA VIDA


Perguntas-me o que é a vida!
A Vida, meu amor,
É Amor
E ódio e talvez Morte …
E é semente de Bem que germina Ventura …

Vida é isto … E mais do que isto:
É Cristo
Na imagem do nosso semelhante;
É Amor … É Bem! …

O mar, no seu bramir
Constante,
Grita
Vida, vida que vem
Das suas entranhas,
No pão do marinheiro,
No pão do pescador.

Vida é o adeus
Na hora da partida …
É a angústia
De não poder
Estender
A mão,
Quando outras mãos,
Em gesto aflito
Suplicam ajuda …

Vida
É fome em tugúrios …
É esplendor
Em palácios …
Vida
É o grito sufocado
Que o ódio atiça …
O grito atormentado
Dos que clamam, em vão,
Piedade, amor e justiça! …

Vida,
Meu Amor,
É todo este Mundo
De podridão e de beleza,
Onde se confundem,
Em abismo profundo,
O Ódio e o Amor,
A Paz e a Dor,
A Alegria e a Tristeza! …

Vida é o sorriso enganador,
A soberba revoltante,
A mentira da verdade
Que se jura a cada instante …

Vida
É o negrume do cárcere
Onde se mirram,
Impiedosamente,
Os mais são ideais,
Quando se extingue
A luz da Justiça, do Bem
E da Verdade! …

É a dor daqueles pais
Que choram a perda dos filhos
Que, um dia, abalaram
E nunca mais,
Nunca Mais voltaram …

Vida
É a infância abandonada …
É o “ fruto do amor sem casamento “ …
É o grito sem eco …
É esse Nada
Que é Tudo, um Tudo
Todo feito de prazer e de tormento!

Para quê, pois viver,
Fugindo ao sofrimento
E entregue às vãs delícias da ventura,
Se a vida,
Oh! Meu amor,
É isto,
Este confuso misto
De dor e de prazer,
De gozo
E de amargura ! …

Vida é o rubro da forja …
É o canto do malho,
No ferro retorcido …
É o gemido
Do arado com que a corja
Vai rasgando a terra,
Embriagada de suor!

A corja que nos doa, generosamente,
A mais bela lição de Amor e de Verdade!
De Sol a Sol curvada, com sacrifício e humildade …
E sacrifício é sangue
A redimir a própria Humanidade!

Vida é isto …
Esta amálgama constante de sentimentos …
E sei lá que mais …
Perguntas-me o que é a ávida!
Que mais te posso dizer?
… É a chama misteriosa,
Clarão que, em breve, se apaga;
Chama que ilumina e arde …
E, se a tentamos reacender,
É tarde … Sempre tarde! …


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POEMA DA SAUDADE




Partiste …
… E nunca mais te vi …
Pálpebras fechadas,
Lábios sorrindo…
Expressão calma,
Doce, serena.
Partiste para sempre.
E uma lágrima brilhando,
Fulgindo,
Na minha alma,
Traçou
O meu primeiro poema …

Poema de amargura,
Poema de Saudade…

…………………………

Ecos da morte …
Vozes da Vida …
Lição de Verdade …

Poema que ficou,
Na minha vida,
Como facho amargurado,
A iluminar-me
O caminho da Eternidade …

Poema de amargura …
Poema de Saudade!


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B A L A D A S


Não tentes nunca saber,
Nunca tentes desvendar
O que se pode esconder,
Nesta palavra chorar.

Chorar traduz alegria …
Chorar é voz de amargura …
Pode ser clarão de dia
Ou sombra de noite escura.

A casa que Deus me deu,
Sendo minha, é também tua,
Logo que entres e feches
A nossa porta da rua.

A saudade é tudo aquilo
Do muito mais que ficou,
Para além da própria vida
Que foi vida e que passou.

Perguntas-me o que é saudade …
E eu julgo bem que o consigo,
Dizendo que é o que sinto
Se não te trago comigo!

Muito diz quem pouco fala …
Ditado velho e feliz!
É mais sábio quem se cala
De quem não sabe o que diz!

Podes bem galgar na vida,
Mas sem jamais esquecer
Que a escada da subida
Também serve para descer!

Trago minha alma cativa,
Numa amargura constante …
Não há saudade mais viva
Que a saudade do imigrante!

Esta Quadra do Natal
Tem tal encanto e magia,
Que tudo nela se esfuma
Em Paz, Amor e Alegria! …

Não há mais tenaz sofrer,
Nem tormento mais pungente
Que não saber-se dizer
Aquilo que agente sente!

Não há mágoa mais sentida,
Nem mais profundo doer,
Do que a morte numa vida
Que começa a florescer.

Neste livro dos meus olhos,
Se quiseres, podes ler
Aquilo que trago na alma
E não consigo dizer.

As palavras nada dizem,
Nem podem ter o condão
De revelar um segredo
Que se traz no coração …

Sinto, ao ouvir-te falar,
Vontade de te dizer
Aquilo que, em meu olhar,
Tu finges não entender!

Por que te deixei partir,
Sem te beijar, nem eu sei …
Ficou comigo a saudade
Dos beijos que te não dei.

Ficou a saudade comigo,
Diferente da que levaste;
A doce partiu contigo,
E a mais amarga deixaste!

Vou guardar, em meu sentir,
As saudades que deixares,
Saudades que hão-de partir,
Nesse dia em que voltares …

Quem te disse que uma lágrima
Consegue a dor apagar,
Certamente que não sabe
O que é sofrer e chorar!

Caiem as folhas, formando
Um mar triste de abandono …
As vidas tombam também
Tal como as folhas de Outono.

Muito tolo é quem afirma,
Em certeza caricata,
Que vive matando o tempo,
Quando o tempo é que nos mata!

Ó mar, salgado e profundo,
Que limitas meu destino,
Na tua água vive o mundo
Dos meus sonhos de menino!

O tempo não pesa, não conta,
Como não conta a idade,
Quando na vida nos unge
O perfume da amizade.

Não sei, nem quero saber,
Quando voltas ao meu lar;
Não podem ver-te meus olhos
Tão cansados de chorar!

Quem bate à porta, quem bate?
Quem chama por mim, quem chama?
A tristeza ou a saudade,
Ou a angústia de quem ama?

Ontem, passaste por mim,
Muito perto, à minha beira …
Não gostei de ver-te assim,
Com tão estranha maneira! …

Eu não sei porque razão
Tu finges não entender
Que, há muito, o meu coração
Anda por ti a bater!

Corri sempre atrás de ti,
Sem jamais poder parar …
E, correndo, me perdi,
Sem nunca mais me encontrar.

Não consegues esconder
O que tens no coração …
Teus olhos sabem dizer
O que tu não dizes, não!

Por isso, tentam fugir,
Quando te fito enlevado,
Muito preso ao meu sentir
De te amar e ser amado.

Quem te pudesse entender,
Quem pudesse adivinhar,
O que me tentas dizer,
Nesse teu coce cantar …

Lado a lado, caminhando,
Quase mesmo que adivinho,
De olhos nos olhos, andando,
Pisando o mesmo caminho!

Recuses embora a dor,
O tormento, o teu sofrer,
Serás sempre, meu amor,
A razão do meu viver!



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DESALENTO


Deixem-me caminhar, sem rumo certo,
E sem o norte que eu, em vão, busquei! …
Deixem-me só, que, só, vivo mais perto
Do Bem que loucamente abandonei!

Não quero ouvir lamentos. Meu deserto
De mágoa e de tormento eu o criei …
Ergui barreiras, em caminho aberto,
E o próprio chão, que percorri, manchei…

Que importa seja a dor o meu arrimo,
Se, só com ela, atingirei o cimo
Do Gólgota que Deus me destinou!

Não me condenem! Deixem-me viver,
Entregue à minha mágoa, ao meu sofrer,
Que eu vivo bem assim, tal como sou! …


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ÚLTIMA PRECE


Quando eu morrer, só quero alegres cantos,
Louvando o Santo Nome do Senhor,
Por ter chamado, a Si, um pecador …
Não quero choros, lágrimas, nem prantos.

Quando eu morrer, não quero, à minha beira,
As falsas expressões de sentimentos.
Quero silêncio e flores, e momentos,
De oração bem sentida e verdadeira.

Não façam, não, da minha câmara ardente,
Vulgar, banal salão de vãs censuras.
Meditem, cantem, rezem, porque a gente
Mais não é do que frágeis criaturas.

E, amanhã, estarão ali também,
Desfigurados, frios; com efeito,
De mãos em cruz, geladas, sobre o peito,
Mostrando o triste fim que a vida tem!

Rezem, de quando em quando: - Ave Maria !
Quero cânticos, flores e orações,
E o amor de tantos quantos corações,
Eu aqueci com chamas de alegria! …


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MÁGOA


Perdi o meu tesouro, no caminho
Da vida fútil que vivi então …
Tudo esbanjei : Ventura, amor, carinho,
Todo o bem que me enchia o coração!

E agora, há, dentro de mim, um vácuo enorme,
A ânsia de encontrar o que perdi:
A doce paz de quem repousa e dorme,
Feliz viver que nunca mais vivi!

Quem quer trazer, à minha vida, amor?
Quem vem compartilhar da minha dor?
Quem vem dizer-me que me quer ainda?

Aonde foste, ó meu amor, aonde?

Em vão pergunto, pois ninguém responde
Ao grito desta mágoa que não finda! …



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AQUILO QUE NÂO TE DIGO


Não palavras de amor
Que possam bem traduzir
A grandeza da ternura
Quer se abriga em meu sentir.

Aquilo que não te digo
E que queria dizer,
É isto que anda comigo,
Cá dentro, no meu sofrer !

Cá dentro, no meu sofrer,
Em doce e amargo castigo,
Atormenta o meu viver,
Aquilo que não te digo .

Quando o teu olhar consente
Meu olhar, então consigo
Segredar-te, mudamente,
Aquilo que não te digo! …


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ABISMO


Um dia, ficarei à tua espera
No canto duma rua, nem sei onde …
Trepando nos meus sonhos, como a hera
Que nas ramagens dum amor se esconde!

E tu virás? Sei lá ! Sei lá ! Que o amor,
Nem todos, todos sabem-no entender!
Tem segredos amargos como a dor,
E mágoas bem mais duras de sofrer.

Mas quem és tu, por quem há tanto espero?
E que podes pôr luz na noite escura
Da minha vida? – Vem, que eu desespero !
Traz-me alegria e paz, traz-me ventura !

Não sei quem és, Amor ! Mas sei que existes;
Sei que te amo; sei mesmo que te adoro.
Fita bem meus olhos, olhos tristes,
Que te fazem chorar, sempre que eu choro.

Que abismo enorme nos separa, quando
Caminhamos na vida, par a par!

Como é tão triste, amor, viver amando
“ A quem por força não se deve amar “!...


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DESENRAIZAMENTO


Somos quatro; e ao lembrar
Que apenas três ficarão,
Eu sinto a alma chorar
E a sangrar-se o coração.

Mas, depois de três, saber
Que dois somente serão,
Mais se avoluma o sofrer
Que nos fere o coração.

Finalmente, dois apenas:
Tu e eu, e mais ninguém …
Sós e tristes e mais pobre
Que o pobre que nada tem !

É que a riqueza da vida,
Na vida que agente tem,
Está nos filhos que Deus
Nos dá e tira também!

Por que pensar que são nossos
Os filhos do nosso amor?
… Nascem, crescem, vivem, partem
por vontade do Senhor ! …



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QUEM ME CONDENA?


Tu sabes lá, querida, quanto guardo,
Dentro em minha alma, para te dar um dia!
Longe de ti, amor, deliro e ardo
Em febre de saudade que angustia.

O céu, outrora azul, agora é pardo,
E ofusca, em mim, o Sol dessa alegria,
Dessa ventura – que viver já tardo –
Que o teu olhar ao meu olhar trazia …

É tão efémera, tão curta a vida,
Que se não for, com muito amor vivida,
Vivê-la, assim, não valerá a pena …

Se amar é crime, ó vis injuriosos,
O mundo é imenso mar de criminosos …
Quem, pois, me acusa a mim? Quem me condena?


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DESPERTA, AMOR


São teus meus versos, versos que escrevi,
À luz da Lua, em noites estivais,
A reviver as horas que vivi …
Sonhos de amor que não voltaram mais.

Rolaram meses, anos, na voragem
Do tempo que já tudo destroçou …
Somente, emoldurada, a tua imagem,
Dentro em minha alma, estática, ficou!

Por que não vens, mulher, por que não vens
Dizer-me que me queres tanto, enfim,
Como então me querias, se ainda tens
O coração a palpitar por mim?

Por que motivo tentas esconder,
No olhar furtivo, o amor que te atormenta?
Não turves a alegria de viver,
Que, assim, da própria vida se afugenta?

E dá-me as tuas mãos, as mãos que, um dia,
Afagaram meu rosto, ternamente …
Desperta, amor, que a vida é agonia
Dos céleres minutos do presente! …


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AUSÊNCIA


É bem mais triste, agora, o nosso lar …
E a casa até se torna mais vazia …
Sinto-me envelhecer, em cada dia
Que passa, sem te ouvir e sem te olhar.

Ai, como custa a vida, assim, passar.
Tudo é mais lento … O tempo que desfia
As horas, uma a uma, em agonia,
Quase parece nunca mais findar.

E porque as nossas vidas formam uma,
Quando partiste, não ficou nenhuma;
As outras três contigo, tu levaste …

Volta depressa, volta a converter
Em cálida alegria de viver,
A mágoa e a saudade que deixas-te!...


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OLHOS QUE FALAM



Olha-me bem,
Que eu quero ler,
Nesses teus olhos,
Toda a odisseia do mundo e da vida …

Olha-me bem,
Que eu quero entender
Que dizem teus olhos,
Olhos que falam
Dum mar de escolhos …
Olhos que se perdem,
Na longa distância do passado …

Olhos tristes que imploram perdão …
Olhos frios que gritam desprezo,
Que expelem ódio …

Ai, os teus olhos,
São olhos que ferem,
Olhos que matam;
Olhos que esbanjam carinho e ternura …
Olhos que espargem paz e alegria,
Alegria e ventura!

Olha os meus olhos,
Tristes, ansiosos …
Olhos saudosos,
Vidrados de amor …
Olhos doentes,
Ausentes da vida …
Olhos sem cor,
Parados, vazios,
Olhos perdidos
Na escuridão! …

Olha, esses outros …
Olhos que saltam,
Olhos que brincam
Como crianças…
Olhos que são
Um mundo de esperanças…
Olhos que falam ao coração! …
Olha-me bem, que eu quero ler,
Nesses teus olhos,
O que outros olhos
Me querem dizer …


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QUANDO EU PARTIR


Vergado pelo peso do destino,
Hei-de tombar, um dia, já cansado
De palmilhar um mundo mau, cretino,
Que assim me faz viver desalentado.

Não mais voltar a ver o triste olhar
Dos que vivem com fome de justiça,
Dos que passam, mirrados de chorar,
Na dor que o vento da amargura atiça.

Então, que ninguém chore! Que ninguém
Lamente esta descrença no Porvir …
Para quem sofre, a morte é sempre um Bem …
Bendigam pois a hora em que eu partir! …


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CANÇÃO DA LIBERDADE


Volta,
Volta à tua terra,
Que o Sol agora tem mais luz,
Tem mais calor,
E a todos ilumina e aquece …

Volta à tua terra,
Que o ódio eliminou-se,
Pela força do amor
E do coração!
O vento da Liberdade
Varreu as nuvens negras da opressão!

Volta à tua terra,
Terra de igualdade …
Vem cantar connosco
A canção da Liberdade!

Volta à tua terra,
Terra nova,
Sem escravos, nem senhor …
Quebrou-se a força do poder;
Partiram-se as grilhetas do silêncio …
Calou-se a voz do terror!

Volta à tua terra,
Terra de prazer,
Terra da alegria,
Terra nova, remoçada,
Pelo sopro da igualdade.
Volta!
Vem cantar connosco
A canção da liberdade!

Quebraram-se os ferros
Da tortura …
Esmagou-se a força da tirania …
Foi-se da terra a tristeza,
Voltou à terra a alegria!

Tu que, fugindo
Á ira dos tiranos,
Um dia, partiste chorando,
Volta sorrindo,
Volta cantando,
Que, à solta,
Já não há feras rugindo,
Já não há feras uivando! …

Agora, é tudo diferente …
É a tua terra …
A minha terra,
A terra da nossa gente! …


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VIVER?


Quem vem, quem vem bater à nossa porta,
Nas horas de tormento e de amargura?
Quem vem trazer-me o bem que me conforta?
Quem vem juncar-me a vida de ventura?

Quem, no silêncio desta noite morta,
Me segreda baixinho e me murmura
Um madrigal antigo que me corta
O coração e o enche de ternura?

É a lembrança? A dor? É a saudade?
É o tempo? A distância? A idade
Que, tristemente, ao longe, o amor me acena?

Não sei! Não sei! Se chamam, pois, viver
A um misto de dor e de prazer,
Viver assim, meu Deus, não vale a pena!


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TRISTEZA


Hoje, não sei porquê, mas sinto em mim
Um misto de amargura e de tristeza …
Talvez por esta trágica certeza
Da caminhada se ir chegando ao fim.

Talvez porque lançando uma mirada
Ao longo do caminho percorrido,
Do pouco ou muito que haja construído,
Bem pouco veja ou mesmo quase nada! …

Hoje, sinto-me triste. E, muito embora
Tente esmagar o mal que me apavora
A tétrica incerteza que me invade.

Nada consigo, nada. Em vez de amor,
Encontro, em meu caminho, apenas dor,
E mágoas e tristezas e saudade!



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DILEMA


Leva o meu poema…
E grita-o no silêncio
Da rua dos sem nome,
Dos sem esperança,
Que passam na vida,
De braços erguidos,
Para abraçar a fome!

Grita
Estas palavras desconexas …
Tormento e gargalhada,
Mágoa e luto, prazer e dor …
Palavras desconexas
Que não são revolta
Nem ódio, nem amor!

São apenas palavras
Que traduzem este trágico
Dilema,
De no silêncio afogar a dor
Ou de gritar, mais alto, o meu poema!


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PARAGEM


Quando vejo partirem deste mundo,
Os que ontem caminharam a meu lado,
Mais confrangido, mais desamparado
Me sinto, nesta mágoa em que me afundo!

E paro então na vida. E vou contando,
Ao dolente bater do coração,
As horas e os minutos que se vão,
Na vertigem dos tempos, esfumando.

E tento, em vão, erguer o voz aos céus,
E perguntar : por que será, meu Deus,
Que mesmo se sabendo que o Porvir

É correr para Ti, ninguém, ninguém
Anseia esse momento em que se tem
A Graça, a grande Graça de partir?...


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ANGÚSTIA


Quero voltar ao tempo que deixei,
Na distância da vida que vivi…
Ouvir, ó minha mãe, junto de ti,
As canções de embalar que tanto amei.

Sentir, na minha, a tua mão amiga,
Amparando meus passos vacilantes …
E ouvir, de novo, aquela história antiga
De mágicos, de fadas e gigantes! …

Voltar a ver-te, mesmo que velhinha,
Para te dar aquele amor que, então,
Não soube repartir. Por culpa minha,
Guardara-o avaramente o coração!

Voltar a ver o rosto que beijei,
Quando me aconchegavas, junto a ti …
Voltar a ter o tanto que nem sei
De tudo que me davas e perdi!

E bate o coração desalentado!...
Aonde vais, pensamento? Aonde vais?
Agora, nada resta do passado…
Apenas a saudade e nada mais!...



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INQUIETUDE


Que julgas tu? Que pensas de ti mesmo,
Se és átomo que segue para o nada?
A vida é esta triste caminhada
Que fazemos, em vão, sem norte, a esmo!

Que pensas tu da vida, se o amanhã
É tão incerto, como o próprio vento?
Surja embora a ventura, num momento,
Se apaga como a estrela da manhã!

Tão pouco vale o mundo de paixões
Que se geram de loucas fantasias …
Tudo se esfuma e esvai, nos breves dias,
A que se prendem nossas ilusões!

Abre os teus braços, abre, e beija e abraça
Os pobres que encontrares no caminho,
Que ficarão mais ricos de carinho,
Mais cheios de ventura, Amor e Graça! …

Vamos lutando pela vida fora…
Abre os teus braços, abre e vem comigo,
Fazer de cada Ser um novo amigo
E dar a cada norte nova aurora.

Estende as tuas mãos aos que, a teu lado,
Caminham, sem destino e sem esperança …
Que o desespero, quanto mais avança,
Mais agiganta a mágoa do passado!

A vida é isto apenas. Tudo o mais
Não passará de sonhos, de ilusões …
Olha o terror, no ferro das prisões…
Olha a amargura e a dor nos hospitais!


E aquele que ali vai, braços em cruz,
Sobre o peito, deitado num caixão,
Também sentiu vibrar o coração,
Por tantas podridões! Jesus, Jesus,

Se a vida que nos deste tem por fim
Ser vivida com mística beleza,
Porque razão a vestes de tristeza?
Por que nos deixas Tu viver assim? …


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ILHA AZUL


Ó Ilha Azul, de magia …
Terra de encanto e beleza…
Gera-se em ti a alegria
Que mata a minha tristeza!

Eu não sei por que razão,
Um dia, quando te vi,
Te trouxe no coração,
E nunca mais te esqueci.

Seria o Pico, altaneiro,
Que se espreguiça no mar,
Toda a noite e o dia inteiro
E te fica a namorar?...

Tenho ciúmes do Pico
Que não deixa de te ver…
Só eu, longe de ti, fico
Com saudades, a sofrer.

Ó Ilha Azul, de magia…
Quem te soubesse cantar!
Quem te visitar, um dia,
Jamais te pode olvidar! …


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SUPREMO ANSEIO


Se eu pudesse prender este dia,
Deter sua marcha fatídica,
Sobre a distância infinita dos tempos,
Sorveria o ar benfazejo
De toda a ventura
Da hora que passa!

Se eu pudesse dizer Não
Aos loucos impulsos do coração …
Abraçar o azul dos céus,
Mesmo sujo de farrapos cinzentos…
Se eu pudesse gritar:
- Bom dia! Bom dia!
Mesmo quando a alma, a sangrar
De dor,
Se afoga em lenta agonia…

Ai, se eu pudesse ser aquele
Que não sou…
Aquela imagem do amor
Que recebo e não dou …

Se eu pudesse atear,
Nos corações,
A chama da esperança
E da justiça,
E apagar
O fogo da vingança,
A labareda da maldade
Que o vento do ódio atiça,
Queimando a Humanidade …

Então, sim…
Que ninguém
Tivesse pena de mim!
Teria o mundo
Na minha mão…
E o Universo do Bem
Dentro do meu coração! …


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MEDITANDO


Passo na rua;
E vejo que, a meu lado,
Outros caminham,
Olhando o vácuo da vida!

Passo na rua;
E vejo os olhos que olham sem ver…
A doença que se esconde um rosto esquálido,
Pálido e triste.

O braço que se estende,
O órfão que chora,
E tantos outros males
Que o homem – por egoísmo – ignora!

Passo na rua …
E o grito que invade
O silêncio da noite,
Noite de aldeia, de vila
Ou cidade,
É gritos que traduz
O peso do fardo,
O peso da Cruz
Que arrasta cada qual,
Expiando afinal
O mal da própria Humanidade!


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SAUDOSISMO

Que fiz da juventude que eu, outrora,
Julguei que nunca mais se perderia?
Foi-se esfumando, lenta, em cada dia,
Num silêncio que esmaga e que apavora!

E quando o Sol se esconde e a noite desce,
Até que novamente surja a aurora,
Esta ânsia de viver germina e cresce
Em cada alma onde a angústia mora!

Mesmo se penso que vivo sem ter
A ventura que sempre desejei,
Sinto vontade de voltar a ver
O que o tempo levou e eu tanto amei.

Esperanças e sonhos e quimeras…
Ai quanto custa, quanto, acreditar
Nas ilusões, nos sonhos de outras eras,
Sem se sentir vontade de chorar!...


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REMORSO


Sinto remorsos, sinto, de não ter
Gritado, aos quatro ventos, tudo quanto
De bom teria feito, como santo
Que fui predestinado, ao meu nascer!

Remorsos por não ter vivido a vida
Como Jesus viveu: - Semeando o Bem,
Amando todos, sem magoar ninguém;
Trazer a alma de Paz enriquecida.

E por não ter sabido perdoar
A quantos me feriram e me dão,
Ainda, a dura prova do seu Não
Ao amor que eu, em vão, tento esbanjar.

Não saber derramar a caridade,
Sem discriminação … Não dar amor
A quantos vão sofrendo a amargura dor,
No silêncio da sua soledade!

Remorsos tenho que sentir, enquanto
Não for aquilo que eu quisera ser,
Semeando o Bem e o Amor, a cada canto,
Como única razão do meu viver! …


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MEU MENINO … MEU MENINO …

O menino nasceu,
Alguém o esperou, sofrendo, chorando …
E o tempo correu,
E o tempo passou …
E veio a alegria ! …



………………………….


….. E o pai trabalhava …
E a mãe ensinava,
De noite e de dia …
E o menino, adorado,
Crescia, crescia,
No alcofa deitado …
E dormia, dormia,
Um sono descansado !


……………………………


E amanhã quem será ele?
Um sábio? Um santo?
Onde fica o seu destino?
Quero tudo para ele,
Ai, para ele quero tanto!

Quem pudesse adivinhar,
Meu menino, meu menino! …
Iria florir o caminho,
Com beijos do meu amor,
Para que nunca, em tua vida,
Se aninhasse qualquer dor !

Iria florir o caminho,
Por onde fosses passando,
Com pétalas de carinho
Que, para ti, venho guardando …

E o Sol, com mais calor ,
Traria, por certo, mais luz …
Que o meu amor, o meu menino
Ainda é Santo, ainda é puro,
Como Tu, ó meu Jesus ! …


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NATAL



Hoje … Natal? – Não! …
Só quando os homens se amarem como irmãos …
Só quando o ódio der lugar ao amor,
E a Paz florir, em perpétua Primavera …

Só quando não houver mais grades nem algemas,
Nem grilhetas de torturados…
Só quando as lágrimas se secarem,
Nos olhos amargurados
Dos que sofrem,
E for saciada a sede de justiça …

Só quando a alvorada da alegria
For Sol da Humanidade …
E acontecer pureza
Onde houver maldade…

Só quando o facho da Fé alumiar
A densa treva da noite dos vencidos…
Só quando, tu e eu, e o outro,
E mais o outro, e toda a gente,
De mãos dadas, caminharmos
Em frente, sempre em frente,
De cabeça erguida, sem temor, nem cobardia,
Cantando hinos de amor,
Dizendo, alto, um Sim à Graça,
Ainda mesmo que, sangrando de dor,
O coração
Sinta vontade de gritar : - Não e Não !

Só quando o Mundo entender o Bem
E esquecer o Mal…

Então, Senhor…Então, sim…
Então será Natal!...


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AMARGA SAUDADE


Quando, contigo, caminhava lendo,
Na vida, o Ideal do Amor, da Caridade,
Sentia-me mais perto da Verdade,
Nos caminhos que eu ia percorrendo!

E, agora, ao relembrar esse passado,
Sinto doer-me o coração, no tédio
Desta saudade amarga, sem remédio,
Desse tempo em que andavas a meu lado!

E na inviolável ordem desta vida,
Sem se poder deter a caminhada,
Passaste pelo mundo, de corrida,

Esbanjando o Perdão e a Fé e o Amor;
Por isso, agora, junto do Senhor,
Fez-se mais santa a tua santa vida !


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SOLIDÃO


Com que saudade eu lembro aqueles dias
Que breves se passaram, quando a gente
Ouvia os sinos, rezando Ave-Marias,
Às horas taciturnas do Poente.

Era tudo tão belo; e o que dizias,
Nos bons conselhos, Mãe, que tu me davas,
Tinha o sabor de estranhas malvasias,
Tudo aquilo que, chorando, me contavas!...

O teu menino, Mãe, é hoje um velho
Que se arrasta, neste mundo, recordando
As santas orações do teu conselho,
E que, consigo, o tempo foi levando!...

E quando tombam, quantos, a meu lado,
Nesta vida, lá iam caminhando,
Mais só me sinto, mais abandonado,
Na senda do Viver que vou trilhando!...


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DESEJO



Odeio, odeio,
Este tic-tac horrível, cadenciado,
Enervante, que mata
A ventura do presente…
Que prolonga e alonga
A longa noite do doente …
Que limita o tempo da esperança,
E avoluma a hora da angústia,
O momento do desespero …

Este tic-tac horrível,
Cadenciado e lento,
De quem anseia o momento
Da libertação …

Odeio a vertigem
Do tempo que passa,
Do tempo que corre,
E onde tudo se afunda
E tudo morre…

Ai, como seria bela a vida,
Sem o tempo contar,
Conjugando, noite e dia,
Dia e noite, só no presente,
O verbo Amar ! …


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INTERROGAÇÃO


Todos os dias eu parto…
E parto sem saber
Se volto a regressar
Ao quarto, ao quarto
Onde, à noite, ao adormecer,
Fico também sem saber
Se virei a despertar!

- E é isto a vida ?

A dúvida, a incerteza,
Num doloroso viver ;
Esta incerteza constante,
Neste duro caminhar …
Esta dúvida que fere
E me anda a torturar,
E a magoar a cada instante !

A dúvida permanente …
Esta inquieta incerteza
Do luto que envolve a gente
Num negro véu de tristeza!

Passa um dia,
Outro dia vem surgindo …
E aqueles que, a nosso lado,
Caminhavam, vão caindo,
Vão caindo,
Tal como as folhas de Outono,
Vão dormindo,
O mais profundo sono,
O calmo sono da Paz,
O sono da Eternidade…

- E é isto a vida ?

Ainda que o seja assim,
Mágoa e dor,
Dor e sofrer…
Vale a pena,
Vale sempre a pena viver!...

Tudo passa, tudo corre;
Tudo passa, tudo foge…
Só não perece nem morre
A amargura da saudade!...


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MISTÉRIO


Na espuma alvinitente e rendilhada
Que, rolando lentamente,
Desmaia
E se estende
Na areia negra da praia…

Na nuvem que o vento
Leva, e corre
Pesada e distraída…
Na pedra que rola no caminho,
Na ave implume
Que morre,
Gelada,
Caída do ninho…

Na frescura da água
Rumorejante,
Da nascente
Que corre para o mar…
Na agonia do Sol-poente,
Na alegria da brisa cantante…
Ai, quem fora cavaleiro andante,
Com alma de Poeta,
Para tudo isto saber cantar…

Quanto vejo, quanto escuto,
Tudo quero acreditar,
Tudo aceito, tudo sinto…
Mas, Senhor, eu não Te minto,
Se Te disser o que sinto
É tão belo que não sei cantar!...


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QUANDO …


Quando eu souber ouvir
A voz do mar…
E entender o seu bramir,
O seu marulhar…

Quando eu fizer do Bem
O pão de cada dia,
E souber transformar
A dor em alegria…

Quando eu for presença apetecida,
Quando faltar o calor dum carinho…
Quando eu for sal e fermento,
E norte, no caminho
Dos ventos que se arrastam, sem amor,
Dos que vivem sem guarida…
Então, sim;
Então, Senhor,
Poderei esmagar
A minha dor,
E cantar
Um hino de louvor à Vida!...


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HINO DE LOUVOR


Bendita sejas,
Pela hora que passa,
Pelo Sol que irradia
Luz e calor…

Bendita sejas, Vida,
Pelo ar que respiro,
Pelos ruídos da rua,
Pelas noites frias
Ou quentes,
Pelas noites escuras,
Ou noites de Lua…

Bendita sejas, Vida,
Pela chuva benfazeja,
Pelo vento gemebundo…
Pela vida da Humanidade …


Bendito sejas,
Porque me embalas,
No mundo,
Com toda a minha impureza,
Com toda a minha iniquidade!...


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ÂNSIA


Se eu pudesse traduzir
Toda esta estranha linguagem,
Que fala do meu sentir
O sopro leve da aragem…

Ai, se eu pudesse entender,
Para poder-te cantar,
Todo este imenso sofrer
De que fala a voz do mar !

Se eu pudesse gritar,
Mas gritar, só para mim:
Não e Não!
Mesmo que, a cantar,
Dissesse um sim
Á voz do coração!...

Assim, e só assim,
Que ninguém mais
Tivesse pena de mim!...


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PRESÍDIO ILHÉU


Mar, sempre mar…
Céu, sempre céu…
O mesmo tom azul de nuvens manchadas,
No meu presídio ilhéu…
Mar, com a mesma cor cinza…
As mesmas garças…
A humidade salgada…
Um sabor de lágrima chorada,
A rolar, a rolar
Sobre o rosto,
De quem vive sonhando,
Para fugir, partir, emigrar!...

Mar… Sempre mar …
O mesmo horizonte, longínquo, distante…
Na minha ilha,
A mesma fonte rumorejante,
Escondida no vale,
Ou no socalco da montanha,
Gritante … Gritante …


Todos os dias rolando,
Com tudo no mesmo…
A mesma sombra passando,
A mesma jovem sonhando,
O ébrio cambaleando,
Lá vai tentando olvidar
Que vive – se é que vive –
No meio do mar … No meio do mar …

Mar… Sempre mar…
Torturante prisão,
A apertar, a cercar,
O meu louco desejo
De evasão!...

Para longe… Nem sei para onde…
Para qualquer parte,
Onde se esconde,
Dia a dia,
Na sombra da fantasia,
A minha fome de arte,
A minha sede de Poesia!...

Mar… Sempre mar…
Caminho… Sempre caminho…
Sempre em frente…Sempre em frente…
Mas tenho que parar!...

E parar,
Porque há mar, sempre mar…
É que, desde que nasci,
Anda-me ele a cercar
A suster o meu caminho!....

Mar…Sempre mar!....


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MANHÃ DE INVERNO


Dia de Inverno…
Dia de chuva,
De vento
E de frio.
Manhã viúva,
Com nuvens cinzentas…
Cinzentas, pesadas;
Janelas fechadas
E porto vazio!...


Dia de Inverno…
Brumas no mar,
Ondas salgadas,
Brancas, irisadas,
Saltando no ar.

Manhã de Inverno
Que lembra a distante,
Com a Missa Cedo, na escuridão…
E o sino cantante,
Dlão, dlim-dlão,
Ecoando nos céus,
Tocando, dobrando,
Chamando os fieis
À santa oração!...

E lá, no alto mar,
A baloiçar, a baloiçar,
Ficam navios,
Partidos, perdidos,
Na tempestade…

Que longa demora,
Aguardando a hora
De regressar…
Mas só Deus é quem sabe
Se hão-de voltar…

No alto da torre,
O som continua,
Na escuridão
Da noite sem Lua,
Tocando, dobrando,
Dlão,Dlim-Dlão,
Chamando fiéis
À santa oração!...


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DESÂNIMO


Caminho na vida,
À margem do mundo…
Caminho na vida,
Por caminhar…

Que o Mundo é selva,
Com feras rugindo;
Com feras rugindo,
Não posso parar…

Caminho, caminho,
E meu caminhar
É água de mágoa
Correndo, fugindo,
Caindo no mar,
Num mar de amargura,
De lágrimas salgado.

À margem do mundo,
Num mundo que é meu,
Não vivo parado…
Silente e sozinho,
Lá vou caminhando,
Sofrendo e chorando…
E Deus, e só Deus
É quem sabe até quando!



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CONFISSÃO


Já me bate devagar o coração,
Cansado, fatigado de viver…
Eu nada temo, não me assusta, não,
Saber que tenho, um dia, de morrer!

Só me custa deixar-te, neste mundo,
Tão cheio de injustiça e de maldade,
Sem o amparo de meu amor profundo,
A suavizar-te a mágoa da saudade!

Embora parta, vou ficar, querida,
Em cada canto deste triste lar…
Na ternura da lágrima escondida,
Que no teu rosto, então, há-de rolar!

Ai, quanto custa, amor, falar-te assim,
Sem fingimentos e com sã verdade!
É que eu sei o que grita, dentro de mim:
- A voz dorida da cansada idade!...


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DESABAFO


Quando eu partir, quero partir sorrindo,
Na certeza bendita de que vou
Transformar-me naquilo que não sou:
- Viva imagem da paz, do amor infindo.

À minha dura angústia torturada,
Desanimado, em vão tentei pôr fim,
Dando confiadamente um forte Sim
À vida que eu quisera transformada.

Já quase atinjo o fim da caminhada,
Por este torpe e podre mundo. Assim,
Dilui-se-me a presença e, dentro em mim,
De amor, bem já não existe nada.

Quem vem dizer-me, quem, que a vida é bela,
Se há tanta gente vil que se sustenta
De amargo fel que dói e que atormenta,
De tudo que de mau existe nele?!...


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ENQUANTO …


Enquanto não lançares a semente
Do Bem, na tua vida … E só do Bem …
Amando todos sem ferir ninguém,
Dando a tua amizade a toda a gente…


Enquanto te aqueceres na fogueira
Do egoísmo feroz que te calcina,
Bem trágica será a tua sina,
Sem paz no lar, nem chama na lareira…

Enquanto a tua voz for mentirosa,
Clamando um Sim, enquanto sintas Não,
A tua vida, amor, será, então,
Bem mais amarga, bem mais dolorosa.

Enquanto olhares, desdenhosamente,
O que a teu lado passa, no caminho,
Quantas vezes faminto, de carinho,
Na vida a prosseguir, como indigente.

Jamais serás feliz; jamais terás
O conforto que sente quem derrama
A força do calor que vem da chama
Da esperança, do amor, do bem, da paz!


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O AUTOR


Nascido na freguesia de S. José, em Ponta Delgada, em 25 de Janeiro de 1919, desde muito novo revelou a sua natural inclinação para as letras.

Durante largos anos, foi jornalista, tendo depois continuado a colaborar em toda a imprensa insular.

Proferiu diversas palestras, sobretudo na ilha de Santa Maria, onde também exerceu o magistério, transitando depois para uma companhia de aviação estrangeira.

Em Santa Maria, foi um dos pioneiros do Emissor do Clube Asas do Atlântico, onde criou todos os programas vivos que manteve, com regularidade, por muitos anos.

Acérrimo defensor dos interesses daquela ilha, dirigiu por alguns anos o “ Suplemento Santa Maria “ que o Correio dos Açores, por iniciativa do seu então Chefe de Redacção Manuel Ferreira, escritor de reconhecido mérito, editava mensalmente.

A obra do autor, José Maria Lopes de Araújo, mereceu sempre da critica as melhores referências.

O Poeta dedicou-se ainda, nos seus trabalhos jornalísticos, à critica social, e ao teatro ligeiro, deixando o seu nome ligado, com notório relevo, a esta outra faceta da sua apreciada actividade literária.

Na sua poesia, que revela sempre uma sensibilidade requintada, predominam uma tristeza e uma nostalgia que deixam transparecer frutos de um vida inquieta e angustiosa.

Remos Partidos “ envolve-se num negro véu de ansiedade que nem ele próprio, Lopes de Araújo, o autor, consegue esconder.






PREFÁCIO



Pelo Prof. Doutor Gustavo de Fraga




Depois de longos anos de ausência – por último também da poesia e dos poetas – prefaciar com responsabilidade plena um livro do Poeta Lopes de Araújo torna-se muito difícil para mim. Se o regresso é, em primeiro lugar, um tanto mais directamente, retorno ao espaço físico e ao seu logos temporal, o voltar à leitura de Lopes de Araújo é simultaneamente um voltar atrás situando-me demasiado exactamente no tempo, ao encontro de circunstâncias de juventude em que lhe ouvi ler alguns dos seus primeiros versos, em tertúlias de amigos, nos serões ilhéus de há uns bons quarenta anos.

Gerações de estudantes que haviam passado pelo Liceu Antero de Quental de então, na época única escola oficial secundária do distrito de Ponta Delgada, haviam recebido, com os programas, com boa ou suficiente vontade alinhavados para conclusão dos cursos, algo de muito importante: o incitamento à vida do espírito e da cultura que provinha do convívio com um grupo de professores relevante no sector das letras e da poesia. Educáramo-nos um pouco também nas suas obras, que nos abriram perspectivas. Basta lembrar que Côrtes-Rodrigues adquirira projecção, não só como expressão destacada do espírito açoriano, mas também no contexto das escolas poéticas – literárias do espaço da língua portuguesa, incluindo o Brasil.

A Segunda Guerra Mundial criara também nos Açores, muito especialmente em São Miguel, para onde então se encarou a eventualidade de transferir a capital portuguesa, um ambiente característico, em que se cruzavam as influências açorianas e as continentais, através da divisão militar distribuída pelos diversos pontos estratégicos. Se no espólio do anedotário de Ponta Delgada aflora a recordação de um certo perdigueiro que corria com afã atrás das setas e riscos com que os estudantes iam pintando as paredes, em circuitos que voltavam caprichosamente ao ponto de partida, isto não foi tudo. Jovens da mais variada província portuguesa, de norte a sul, alguns vocacionados para as letras, misturavam-se com grupos locais em que coexistiam os mesmos interesses.

Assim, a tradição e o ethos açorianos puderam confrontar-se com diversas correntes de inspiração literária e estética. Assim se estimulava a persistente e enraizada tradição poética local, em que, no nosso meio, a espontaneidade da lírica popular de Virgílio de Oliveira, amigo dilecto de Lopes de Araújo, embora de geração anterior, assinalava o trânsito da poesia culta para a inspiração popular.

Boémio e espontâneo, ainda o recordo claramente nas longas conversas que se terminavam primeiro no Largo 2 de Março, depois no Largo do Colégio ou no jardim adjacente.

Foi neste convívio diversificado que, por exemplo, percebi que António Nobre ainda impregnava com a sua lírica a educação poética do norte de Portugal. E por aí, eu, educado no simbolismo do poeta da minha pequena ilha de origem, Roberto de Mesquita, corri à leitura do Só, que ficou por entre as predilectas. É que foi nesse convívio que pude ouvir alguns dos primeiros e belos poemas do então jovem poeta Egito Gonçalves, que vivia na solidão oceânica e na monotonia do quartel que lhe coubera, a recordação da encantadora Leça, de varandas e canteiros floridos. Nunca mais o vi e só o li, muitos anos passados, praticando ao que me pareceu, uma estética literária diferente.

Este um exemplo, entre outros possíveis.

Lopes de Araújo, o animador nato destes grupos, era o mais produtivo nos círculos que se formavam. Logo se destacava pela emotividade intensa com que vivia os seus temas, pelo pessimismo da sua inspiração romântica e pelas suas preferências: José Duro, Manuel Laranjeira, Florbela Espanca, que sabia de cor.

O simpático e malogrado Raposo de Lima, que nas horas vagas se dedicava à pintura, mas que no sonetilho expressava fina sensibilidade lírica, era também trazido pela sua mão ao nosso conhecimento e convívio, como amigo mais velho e distante.

A morte, “ que não diz nem sim nem não, sai bruscamente da sua emboscada e varre com um golpe de asa os nossos planos “ , na expressão de Baudelaire, ou a “ possibilidade incondicional e inultrapassável “ , da linguagem filosófica, revestiu, desde cedo, para Lopes de Araújo, um sentido peculiar. Ela lhe levara suas irmãs Natália e Gildeberta, em verdes anos, e a terrível “ senhora absoluta “ da vida tornou-se-lhe em indecifrável mas obsidiante motivo de inquietação poética. Não se trata de uma vivência literária ou representada, mas do peso de uma experiência vivida na dimensão total de uma angústia diária: dia a dia Poeta Lopes de Araújo tem vivido desesperadamente a morte destas suas saudosas irmãs, a cuja memória dedica o primeiro livro de versos, Noite de Alma, publicado em 1944. Assim tomou rosto a sua esfinge: a morte.

A noite, propícia à imaginação, é, por isso, em " Cinzas Quentes ", seu segundo livro, noite que ronda à porta e que enche o lar de trevas. É de mistura com este sentimento nocturno que o amor, para este poeta eminentemente lírico e romântico, se torna uma vivência tormentosa e exigente que há-de preencher a angústia de uma vida ameaçada ora pela morte, ora pela partida dos filhos do lar paterno.

Por isso, o risco insuportável que ronda a vida assume, num sentido mais lato, o lugar de ameaça da morte, num alargamento que desenha a evolução do Poeta até este seu último livro, " Remos Partidos ".

Não vou dizer, porém, que não se nota em Lopes de Araújo, sobretudo neste livro que agora se publica, uma certa luta para alterar a perspectiva com que este peso de ameaça sobre a vida é, na sua poesia, agressiva. Este esforço de libertação ocorre com o advento da segunda metade da existência, quer seja por uma experiência mais favorável, quer seja por uma sabedoria de resignação. Com efeito, para além da meditação sentimentalmente elaborada sobre as situações que oprimem o homem, singular ou colectivamente, afloram com frequência, nos últimos livros, motivos humanos a que a lírica popular oferece modelos, sem que, naturalmente, o Poeta Lopes de Araújo se tenha tornado outro.

Lopes de Araújo conseguiu, sobretudo no soneto, uma forma literária em extremo correcta, reconhecida, por exemplo, por Alfredo Guisado, que o incluiu na antologia dos melhores sonetos da página de letras que por 1952, o diário lisboeta “ República “ publicava. Por isso também Oliveira San-Bento, poeta micaelense que prefaciou " Noite de Alma " , destacou a perfeição clássica da sua forma literária.

Eduíno de Jesus, por seu lado, salientou o timbre genuíno da “ nota romântica “ de " Noite de Alma " .

Seria, todavia, inexacto dizer que a estética literária de Lopes de Araújo se limitou ao soneto ou ao decassílabo . Na redondilha e no verso livre alguns dos seus poemas são de grande densidade emotiva e atingem destacada expressão formal.

Em " Falas do Coração ", de 1970 o soneto está mesmo ausente e é em extremo raro neste último livro Remos Partidos – metáfora de desalento que não impedirá, seguramente que nos brinde no futuro com outras obras poéticas em que a sua inspiração se revele com a mesma veemência de sempre e talvez em novas perspectivas de triunfo sobre a angústia de uma finitude que oprime pesadamente. É o que deixam prever alguns diálogos do poeta consigo próprio, como, por exemplo, no poema “ Quando … “ em que se interroga sobre a possibilidade de transformar a dor em alegria. Cremos que, aliás, o Poeta está insensivelmente nessa via, não obstante as notas desanimadas de " Remos Partidos " , a lembrarem que " Noite de Alma " está na sua génese.

Assim, pode dizer-se que só agora Lopes de Araújo começa a tomar consciência total do seu problema e, por via poética, vislumbra a sabedoria, que não será um repouso, mas a conquista de um longo esforço em que a sua sensibilidade tem emprestado à linguagem a musicalidade comovedora das suas palavras revoltadas contra o que impede os homens de serem livre e felizes. De facto, um dos lados da questão acaba por esclarecer-se : a liberdade e o poder do homem são finitos e é dentro da condição humana que temos de nos salvar.

O Bem como “ pão de cada dia “ , de que fala Lopes de Araújo, é uma forma muito feliz e acessível de reencontrar-se com a resposta que Antero, nosso conterrâneo, descobriu no Bem e na Consciência, no seu caminho de dúvidas e desesperos, à angústia do homem que não quer iludir-se na inautenticidade medíocre da satisfação e do contentamento consigo próprio. É preciso, porém, aceitá-la e trabalhá-la com decidida convicção, para que a “ Canção da liberdade “ possa ser cantada em uníssono na “ terra da nossa gente “ , “ sem escravos nem senhores “ , como o poeta a visiona.

E quem não a entenderá e estimará na voz da poesia, nesta Ilha do Santo Cristo ?


GUSTAVO DE FRAGA







DEDICATÓRIA


REMOS PARTIDOS “ são pedaços de um coração cansado de viver, mas nunca fatigado de amar.

Por isso que entendo que sejam para ti, Maria Luísa, minha doce companheira, e para os nossos queridos filhos, estes pobres versos, vivo símbolo do quanto sofri, amei e aspirei.

Vivo neles, nestes modestos poemas. Por isso neles ficará a minha alma, a acompanhar-vos pela vida fora, para que, nos momentos de desânimo ou de saudade, eles sejam lidos como oração de amor.

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POEMAS

JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO

P.Delgada - S. Miguel - Açores

1983