terça-feira, fevereiro 05, 2008

NÃO poema de José Maria Lopes de Araújo



NÃO

Cerro os punhos e grito,
Revoltado, aflito,
Cansado de sofrer:
- Não ... e Não !
Basta de viver
Atormentado ! ...


Quem me estende a mão?
Quem? E a gente
Que passa,
Que passa indiferente,
Vai balbuciando
E murmurando,
Intimamente:
- Não ... e Não ! ...


Sempre o Não ...
No ontem, no agora,
No amanhã, no depois ...
Sorriem meus lábios...
E a minha alma chora ...
Choramos os dois,
Nesta solidão,
Onde há eco,
Sempre o eco do mesmo Não ! ...


JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO
do Livro " Outono da Vida "

ILUSÃO poema de José Maria Lopes de Araújo




ILUSÃO

A vida apaga-se, num simples ai ...
Nem tempo dá sequer para pensar ...
Pois voa como a brisa que se vai,
Que parte, para nunca mais voltar !


Ódio, injustiça, inveja, para quê?
Pois não vive quem não sabe perdoar...
Mergulha em ti, medita, pára e vê
Que a vida é um inglório e vão lutar !


Que importa, meu amor, que essa mulher
Altiva e presunçosa se envaideça,
Ao julgar-se tão bela como quer,
Ou mesmo como quanto lhe pareça !


Imponente, soberba, ela passou,
Ainda á pouco, junto a ti, querida,
Sem se lembrar sequer que caminhava,
De passo lento, para o fim da vida.


Por que razão, meu Deus, sustenta a gente
Essa nula ambição de ser-se alguém ? !
Ilusória grandeza que se sente,
Pensando ter-se o quanto se não tem !


JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO
do Livro " Outono da Vida "

ROMEIRO poema de José Maria Lopes de Araújo





ROMEIRO


Romeiro que vens de longe,
Caminhando sempre a pé,
És viva imagem de um monge,
És vivo exemplo de fé !


Romeiro da Ave Maria,
Quem te ensinou a rezar?
Dia e noite, noite e dia,
Orando sempre a cantar !


É tão belo o que sentimos,
O que nasce dentro de nós,
Quando, muito ao longe, ouvimos
Os ecos da tua voz !


Romeiro da minha terra,
Quem há que possa entender
O quanto de belo encerra
O teu místico, viver ? ! ...


Tua romagem de amor,
Á volta da nossa ilha,
É um hino de louvor,
É a luz da Fé que brilha !


JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO
do Livro " Outono da Vida "

CANTARES DO MEU SENTIR poema de José Maria Lopes de Araújo




CANTARES DO MEU SENTIR



Olho os telhados e tento,
Muita vez, adivinhar
Quanta alegria ou tormento
Estão eles a abrigar !


Pensa mal o que pensar
Que a grandeza tudo encerra !
É que o monte, sendo monte,
Nunca deixa de ser terra !


E é bem alto ; todavia ,
Em tempos de paz ou guerra,
Que o possua a fidalguia ;
Monte é terra, sempre terra !


Para que hás-de tu pensar
Que és aquilo que não és ?
Nunca se pode avançar
Sem ter asas ou ter pés ! ...


Vi-te passar presunçosa,
Orgulhosa, no caminho !
Não conheço uma só rosa
Que não traga o seu espinho !


Tal como a flor é a vida ,
Muito breve, passageira ...
Cada pétala caída,
Marca a hora derradeira !


Por que motivo a tristeza
Me domina, sem razão,
Quantos mundos de beleza
Envolvem meu coração ?


Nada é certo, nesta vida,
Onde só existe um norte
Que nos aponta a descida,
Á negra vala da morte !


Quando te vejo chorar,
Solta-se triste, meu canto ,
Tentando, em vão, abafar
As agruras do meu pranto !


Tudo aquilo que se sente,
Cá dentro, no coração,
Não pode entender a gente
Que não sinta o mesmo, não !


Nada já de ti existe,
Amarga e triste verdade ...
Desde a hora em que partiste
Chora connosco a saudade.


Se eu pudesse, num segundo,
Ser o quanto pensas ser ;
Não havia, neste mundo,
Ninguém com tanto poder !


Esfumam-se anos passados ...
Vim nas asas da ilusão.
Trouxe meus olhos molhados ...
Deixei-te meu coração ! ...


É a flor que mais floresce,
Esta flor da gratidão ...
Quanto mais se colhe, cresce
No jardim do coração .

Quando o Sol, hóstia sagrada,
Cai na vala do poente,
Com véu da noite calada ,
De luto se veste a gente .


Ninguém deve censurar
O que não sabe entender ...
Não pode o mudo falar ,
Nem o cego pode ver ! ...


Cantares da minha dor ,
Cantares do meu sofrer ,
São meus cânticos de amor
Que ninguém sabe entender ! ...


Como o tempo corre, passa ,
Bem veloz , quando a alegria ,
De mãos dadas , com a graça ,
Vive em nós , em cada dia !


Ser poeta , sabes lá ,
Como é triste ser poeta ! ...
Ouvir o nosso sentir ...
Viver-se a vida de asceta !


Nunca sintas pena, não ,
De não saberes cantar ...
Quando canta o coração ,
Há vontade de chorar !


E que sabes tu da vida,
Se não chegaste a viver ,
Pequena fase dorida ,
Do seu dorido sofrer ? ...


Tanta mágoa, tanto espinho ,
Tanta lágrima salgada ,
Encontramos no caminho
Desta vida amargurada ! ...


Com a cara de “ bonzinho “
E terço sempre na mão,
Enganas qualquer santinho ,
Mas, o Senhor, é que não ! ...


Como tem sido tão bom,
Para nós, Nosso Senhor,
Que nos vai envelhecendo,
Remoçando o nosso Amor ! ...


José Maria Lopes de Araújo
do Livro " Outono da Vida "

SÓ poema de José Maria Lopes de Araújo







Ai, se eu pudesse evadir-me
De mim mesmo,
Desta prisão
Que me põe grades, no coração ...
Se eu pudesse partir, correr,
Caminhar sem norte,
Correr , a esmo ,
Na floresta dos meus sonhos ,
E colher rosas orvalhadas
E alvas hortênsias
Nas bermas das estradas ...


Mas correr, cantando
Hinos de louvor à vida ,
Pelo odor
Que se emana da natureza
Pelo bem da Humanidade,
Pela pétala caída ...
Pela beleza
Da flor
Que nos enche a alma e o olhar
De alacridade
E cor ! ...


E continuo a viver ,
Encarcerado ,
Mesmo dentro de mim ...
Esmaga-me o silêncio
Das coisas, das pessoas ...
E a labareda da loucura
Continua crescendo, no incêndio
Da floresta dos meus sonhos !


Ai, se eu pudesse evadir-me
Das grades do meu coração ...
Não mais sofreria,
Como sofro ... Não ! Não !


Agora, já tudo é cinza ...
Já tudo é pó ..
E recomeço a sentir-me, no mundo,
Isolado...Só...Muito só...
Cada vez mais só ! ....


JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO
do Livro " Outono da Vida "

VIDA poema de José Maria Lopes de Araújo




VIDA


Meus dias vou passando, na esperança
Enganadora de que o fim vem longe ...
É um pensar de fervoroso monge
Que de agruras da vida não se cansa !


Mas se, dentro de mim, na vida, avança
O desespero, sinto-me vencido ...
E, desolado e triste, enfraquecido,
No amargo olvido meu pensar se lança !


É que me custa muito acreditar
Que haja quem deixe o tempo, em vão, passar
Sem elevar a Deus o pensamento ...


Pois que a vida é um fumo que se esvai,
É um sopro mais leve do que um ai
Que, breve, põe seu termo ao sofrimento !


JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO
do Livro " Outono da Vida "

MONOTONIA poema de José Maria Lopes de Araújo





MONOTONIA


Monotonia é o quadro
Cuja moldura é o mar ..
Nela tudo é sempre o mesmo ...
A mesma onda a rolar ...


Todos os dias o mesmo ...
O mesmo rico, a passar,
Frio, apático, indiferente
Ao mal que o anda a cercar !


A mesma chuva tombando ,
O mesmo vento a assobiar ...
E as mesmas folhas valsando,
Num macabro rodopiar ...



Ninguém entende, ninguém,
Esta amargura sem fim
Que, de quando em quando, vem
Aninhar-se dentro em mim !


Nem a nuvem que, no ar,
Vai correndo, distraída ...
Gente anónima a passar,
Indiferente à minha vida !


Vai-se um dia ... e outro dia ...
E mais outro que se esfuma ...
Há tédio, monotonia ...
Mas alegria ... nenhuma !


JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO

do Livro " Outono da Vida "

NÃO ME ABAFES,NO SILÊNCIO poema de José Maria Lopes de Araújo





NÃO ME ABAFES, NO SILÊNCIO ! ...



A ti, Poeta, sonhador,
Que vives, neste mundo desolador,
Tentando, em vão, como a hera,
Trepar a árvore da quimera,
Forjando Paz, criando Amor,
Trazendo, nos lábios, um sorriso enganador,
Um sorriso de ilusão ...
... E, no rosto, a Primavera ...
...E o Inverno, no coração !


A ti, Poeta, meu amigo e meu irmão !
Por que nasceste comigo ,
Para meu castigo?
- Caminhamos, dia a dia,
De mãos dadas ...
Unidos pela dor ,
Longe da alegria ! ...


A ti, Poeta, que ris quando eu rio ...
Que choras quando eu choro,
Que vives, isolado,
No mesmo canto onde eu moro ...


A ti, que encontras, em cada flor,
O símbolo vivo do amor ...
Que entendes num rosto enrugado
Toda a história, alegre ou triste
De um passado !


Porque não me deixas viver sozinho ,
Pisando apenas o meu caminho ? ...


Por que és assim?
Para que vieste viver?
Até morrer,
Dentro de mim ?


Não me abafes no Silêncio !
Deixa-me gritar :
- Basta de sofrer ! ...


Na minha vida, quero apenas
Saber conjugar
O verbo Amar ..
... O verbo Amar !


JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO
do Livro " Outono da Vida "

MISSA DISTANTE poema de José Maria Lopes de Araújo






MISSA DISTANTE



Quando, por tua mão, eu caminhava,
Ainda noite, para a missa cedo,
Com que alegria, Mãe, e com que medo,
Em apressado andar, te acompanhava !


Medo, por ser ainda noite escura ...
E uma alegria sã porque ia ver
O Deus que era a razão do meu viver,
O Deus - Bem, o Deus – Paz, Amor, Ventura !


Era o Templo alumiado pela luz
Bruxuleante de círios derretidos ...
E com meus olhos sãos, entristecidos,
Eu via-te, na Cruz, é meu Jesus !


Cá fora, ecoava, a voz do sino ...
No ar, pairava um cheiro a alecrim...
Não sei o que sentia, dentro de mim,
No meu coração puro, de menino !


Eu tinha medo, medo de perder
A ideia de jamais, com tua mão
Na minha, então voltar à oração
Dessa missa que eu não voltei a ter !


Ela tinha um sabor bem diferente ...
E quando se voltava ao adro, o dia,
Alto já, espalhava uma alegria
Que contagiava toda, toda a gente !


Missa cedo, de um tempo já distante ...
Com que saudades eu te lembro agora ...
... Um cheiro a rosmaninho, cá por fora,
Lá dentro, incenso, preces, voz cantante !


No confessionário, balbuciando
A voz do pecador, arrependido ...
E o velho cura sente-se perdido
Nesse mar de perdão que vai doando !


Missa cedo, levaste-a, Mãe, contigo !
Que eu nunca mais voltei a vê-la, não!
Mas deixaste-ma a Fé, no coração,
Que veio para ficar sempre comigo !


JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO
do Livro " Outono da Vida "

QUANDO? poema de José Maria Lopes de Araújo




QUANDO ?


Será hoje? Amanhã? Será depois ?
Sabes lá quando chega a nossa hora !
O certo é que um de nós, de nós os dois,
Quer queira que não ir-se-á primeiro embora !


E o outro, o outro fica, neste mundo,
Tão cheio de venenos e maldades,
Alimentando o mesmo amor profundo,
Embora muito cheio de saudades !


Porque razão, querida, é tão intenso
Este continuo e negro sofrimento,
Que fere o coração, sempre que penso
Que a vida passa breve, como o vento !


Mas, enquanto o Senhor nos der a vida,
No sagrado cantinho deste lar,
Faremos tudo por viver, querida,
Orando, a toda a hora, o verbo Amar !



JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO
do Livro " Outono da Vida "

INTERROGAÇÃO poema de José Maria Lopes de Araújo




INTERROGAÇÃO


Não tentes afastar-me do meu rumo,
Que eu bem sei o que quero e onde vou...
Não lembres o passado porque é fumo
Duma chama que, há muito, se apagou !


Da labareda ardente só ficou
A cinza da quimera e nada mais ...
Do meu passado tudo se queimou ...
E apenas restam meus doridos ais !


E deixem-me ficar, assim sozinho,
Com todo o sofrimento, no caminho
Que me há-de confundir ao Redentor ...


E pensar, meditar profundamente :
- Por que motivos alimenta a gente
Invejas, ódio, em vez de Paz e Amor ?


JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO

do livro " Outono da Vida "

PERGUNTAS poema de José Maria Lopes de Araújo



PERGUNTAS


Ouviste a voz do vento, gemebundo,
No arvoredo?
Ouviste a voz do mar – quase oração –
Nas areias da Praia
Ou, ecoando, no duro penedo?


Ouviste a voz da brisa,
Murmurando, quase a medo,
Um misterioso segredo
Que mal se pode entender?


Escutaste a voz das coisas
Que, na solidão da noite,
Falam do silêncio,
Silêncio que apavora
E conforta e esmaga?


Acaso, tentaste, um dia,
Entender a grandeza da tragédia
Que se esconde, na espuma da vaga?


Dizer que a vida é bela, quando há tanto
De podridão e mal, em cada canto,
Onde se julga haver paz e alegria !


Doce ilusão que se acalenta, em vão,
Enquanto a gente sente o coração,
Batendo, breve ou lento, em cada dia ! ...


JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO
do Livro " Outono da Vida "

ESPERANÇA poema de José Maria Lopes de Araújo



ESPERANÇA


Se eu conseguisse viver este dia,
O dia que hoje passa,
Como se fosse o último da minha vida...
Esmagando ressentimentos,
Aleijando-me de toda a podridão
Que me aniquila a Graça,
Que me enegrece a alma
E enluta o coração...


Ai, se eu pudesse suster
Os passos incertos,
No caminho errado,
Do meu viver !
E ao passado não voltar,
E saber esquecer,
Esquecer e perdoar ! ...


Se conseguisse reter
A lágrima que teima,
Dolorida,
Soltar-se dos olhos vidrados,
E que teima
Os rostos enrugados
Dos vencidos da vida ...


Se eu pudesse evadir-me
Deste negro cárcere,
Desta dura e fria prisão
Onde, há muito, vivo
Abandonado,
Cativo,
Nos braços da solidão...


Se eu conseguisse viver
Só dentro de ti,
E tu, bem dentro de mim,
Mas sem ninguém entender
O nosso viver assim ...


Isolado, neste mundo,
Onde a amargura se esconde,
Alimentando uma esperança
Que virá, não sei bem donde ...
- Do horizonte ? Do céu? Do mar?
... Na chama do amor vivendo,
O coração não se cansa,
Não se cansa de esperar! ...



JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO
do Livro " Outono da Vida "

META DA VIDA poema de José Maria Lopes de Araújo



META DA VIDA


Quis voltar à minha infância,
Quis voltar mas não voltei ...
De que se foi na distância
Dos tempos, bem pouco sei !


Ainda o que melhor lembro
E recordo, com saudade,
É o Natal, é Dezembro,
Nessa ingénua e pura idade,


Quando o Menino descia,
Na chaminé, à noitinha,
E em silêncio me trazia
O pedido, na “cartinha” !


Mas que prazer, que alegria,
Que descrever, não consigo ! ...
Que ventura então sentia,
Por sabê-lo meu amigo ! ...


Foi encontro que jamais
Voltarei, na vida, a ter!
- Pensamento, aonde vais?
- Que queres tu reviver? ...


Não vale a pena tentar
O deter desta corrida
Que nos leva, sem parar,
Á triste meta da vida ! ...


JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO
do Livro " Outono da Vida
"

BALADA DE OUTONO poema de José Maria Lopes de Araújo



BALADA DE OUTONO


Chuva de Outono é tormento ...
Toalha de prata caindo
Na água cinzenta do mar ...
- Aonde vais meu pensamento,
Aonde vais, sempre fugindo,
Sem destino e sem parar ? ...


- Que buscas no horizonte,
Distante da minha vida?
Nada sabe que te conte
Da minha esperança perdida.


- Meu pensamento, aonde vais, aonde ?
Aonde vais, correndo, sem parara,
Buscando um sentimento que se esconde
No imenso abismo dum cinzento mar?


Chuva de Outono é tormento
Que leve cai do céu
E avoluma o isolamento
Deste meu presídio ilhéu !.


JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO
do livro " Outono da Vida "

RELEMBRANDO poema de José Maria Lopes de Araújo



RELEMBRANDO


Viste como este Mundo,
Por toda a parte,
É cheio de miséria e podridão,
De mistura com beleza e arte? ...


Viste o drogado,
Jovem ainda, estendido
No chão,
Roto, perdido,
Esfarrapado? ...


E aquela criança,
Pagando o crime que não cometeu;
Sem alegria, sem esperança,
Sem amor e sem escola;
De cabelos desgrenhados,
Descalça, rosto sujo,
Recolhendo a fria esmola
De quem passa
Indiferente à sua desdita,
Alheio à sua desgraça ? !


Viste como os homens passam
E as coisas ficam,
Ainda que carcomidas pelo rolar
Vertiginoso dos anos ? ...


... Foi ali ... Foi ali
Que Nero fez brotar
Da nascente da maldição,
Um rio de sangue ! ...


Relembrar tudo isto,
Com sentida emoção,
Tudo quanto foi visto
Com os olhos da alma
E do coração ...


É reviver
Um sonho feito realidade ...
É adormecer
Com indizível prazer,
Nos braços carinhosos
Da nossa maior saudade ! ...


JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO
do Livro " Outono da Vida "

INSÓNIA poema de José Maria Lopes de Araújo



INSÓNIA


Anda o vento rezando
As orações de Outono,
Enquanto a minha alma, chorando,
Vai contando
Horas tristes de abandono !


E esta chuva miudinha
Que brinca , à solta, no ar,
E tem o brilho das estrelas
Que há nas noites de luar,


Acompanha esta canção
Que vai gemendo a folhagem,
Arrastada, pelo chão,
Ao sopro lento da aragem ! ...


E sinto saudades tuas ...
Quero dormir ...
Não tenho sono...
E vagueio pelas ruas,
Numa ânsia desmedida
De quebrar, partir,
Este abandono
Que tortura a minha vida !


E da minha alma dorida
Vai o vento arrancando
As folhas desta ilusão...
Vai o vento
Do tormento
Arrancando-as,
Arrastando-as,
Dentro do meu coração !


Quem para sempre pudesse,
Minha amada, adormecer ! ...
Sofro ! Não tenho sono! ...
Quem pudesse adormecer
Como estas folhas de Outono ! ...


JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO

do Livro " Outono da Vida
"

SÚPLICA poema de José Maria Lopes de Araújo





SÚPLICA


Não sei porquê; há hoje, dentro em mim,
Contradições que me enchem de tristeza:
- No brilho de uma lágrima, há beleza,
E num sorriso alegre, há a dor sem fim !


Nunca se sabe, como, ou onde ou quando
A luz do Sol se apaga para nós,
Nem mesmo quando se emudece a voz
De quem, na vida passa a dor cantando.


Nem tempo, nem distância, nem idade ...
Tudo isso é vão e enganador pensar ...
Morrer é, pois, partir, é caminhar,
De olhos fechados, rumo à Eternidade !


Os algozes ficaram ... TU partiste,
Esbanjando o Perdão, ó meu Jesus ...
E o mundo continua, como viste,
À TUA espera, com pesada Cruz! ...


Não voltes mais, não voltes mais, Senhor !
Escuta as nossas gratas orações...
Inunda-nos de Graças, Paz e Amor...
E aviva a Fé nos nossos corações ! ...


JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO

do Livro " Outono da Vida "

CONTRASTE poema de José Maria Lopes de Araújo





CONTRASTE

Noite de Inverno, chuva, noite fria ...
Coberto de jornais, sob uma arcada,
O poeta sonhava que dormia
Em fofa cama e colcha rendilhada!

Manifestando bárbara alegria,
Ao longe, ecoava forte gargalhada ...
... A voz da malvadez que escarnecia
De quem vivia a vida sem morada !

Além cintilam luzes, no salão,
Onde há conforto e luxo, e os pares vão
Rodopiando uma valsa de Viena !

É ruído da orgia que desperta
O poeta, para a vida sempre incerta,
Duma ilusão, tão doce e tão amena ! ...



JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO
do Livro " Outono da Vida "



NADA SEI ...


- Como queres que a alegria
Viva, sempre, em mim?
Quando me dói e angustia
Não saber qual o meu fim!


Nem só eu, mas toda a gente ...
Ninguém pode adivinhar,
Nem sequer ao menos tente
Onde e como há-de acabar !


É o insondável mistério
Que surgiu no meu nascer ...
E no mundo me acompanha,
Sempre e sempre, em meu viver !


- O amanhã será ventura,
No cantinho do meu lar?
Ou vai chegar a amargura
Para comigo morar ? ! ...


E nada sei, nada sei ! ...
Ai, quem pudesse saber
Isto tudo, que não sei,
Anos antes de morrer ! ...



JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO
do livro " Outono da Vida "

LIVRO LIVRO DIFERENTE poema de José Maria Lopes de Araújo



LIVRO DIFERENTE


Quero escrever um livro diferente ...
Um livro igual àquele que senti,
Mas que, não sei porquê, nunca escrevi,
Por ser livro, talvez, de toda a gente ! ...


Todo cheio de mágoas e pesares ...
Todo escrito, com mil contradições,
Com a tinta daqueles corações
Que, na amargura, se formaram pares!


Um livro que jamais se tenha lido,
Que possa traduzir o que hão sofrido
Os que caladamente suportaram.


Tudo quanto, na vida, mais nos custa :
- Ver duro golpe numa vida justa,
Ver olhos tristes que seu mal choraram !


JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO
do Livro " Outono da Vida "

HORA QUE PASSA poema de JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO




HORA QUE PASSA

Ai, quanto custa viver,
Contando horas, uma a uma,
Não querendo perecer
Numa esperança que se esfuma !


Por muito que a gente faça,
A vida é sempre um tormento;
Não passa da hora que passa,
Não passa deste momento !


Quando se julga que a hora
Está longe, já chegou ...
É que o presente de agora
É passado que voou


E de um para outro instante ...
Na vida, tudo mudou ..
O presente vai distante
E o futuro já chegou !


Não vale a pena pensar
Muito, na vida, não,
Que ela, um dia, vai parar,
Quando pare o coração !


JOsÈ MARIA LOPES DE ARAÚJO
do livro " Outono da Vida "

CONTRADIÇÃO poema de José Maria Lopes de Araújo




CONTRADIÇÃO


Pedes-me que não cante mais a morte,
Nem queres, não, que eu grite a minha dor...
Vou caminhar, silente, sem ter norte,
Sozinho, sem amparo, nem amor !


Mas, se encontrar um Bem que me conforte,
- Que importa lá que eu vá para onde for? ...
Que esta inquietude amarga é bem mais forte,
Quando de Ti me afasto, meu Senhor !


Eu não posso entender a vida assim,
Acalentando, há muito, dentro de mim,
O mistério insondável deste não,


Sofrendo, amargamente, sem querer,
O mal contraditório dum prazer
Que é chama que me queima o coração !



JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO
do Livro " Outono da Vida "

CAMINHO DA VIDA poema de José Maria Lopes de Araújo




CAMINHO DA VIDA


Vou caminhando pelo vida fora
Ao sabor da amargura e da tristeza,
Dentro de mim só dúvida e incerteza,
Num coração que, no silêncio, chora !


Por que razão, meu Deus, eu sinto agora
Que a minha alma se ilumina de pureza,
E de encanto e de mágica beleza,
Emoldurando a dor que nele mora?


O sofrimento purifica, sim,
E tudo que de mau houver, em mim,
Vai pela dor tornar-se santidade !


A vida ? Eu não creio nela, não,
Naquela que sustenta o coração,
Mas, sim, na vida que é a Eternidade !


José Maria Lopes de Araújo
do livro " Outono da Vida "

CLAMOR poema de José Maria Lopes de Araújo




CLAMOR


Ser poeta não é ser um sonhador
Que acalenta banais e vãs quimeras...
Ser Poeta é fazer do ódio Amor,
E reviver o belo de outras eras! ...


Como é bom ser Poeta, mesmo quando
A lágrima embacie o nosso olhar,
Quando se sinta o coração chorando
A mágoa deste duro caminhar !


Deixem-me ser assim, tal como sou ...
Deixem-me deambular por onde vou,
Ainda que haja abrolhos no caminho ! ...


Sou eu que sofro a dor da solidão ...
E sinto que o bater do coração
Me grita sede e fome de carinho !

JOSE MARIA LOPES DE ARAÚJO
do livro " Outono da Vida "

DOBRAM OS SINOS poema de José Maria Lopes de Araújo



DOBRAM OS SINOS

Quando os sinos dobram,
Tocando a finados,
Lembram tristezas
De tempos passados!


Quer queiras ou não,
Tens de acreditar:
O teu coração
Terá de parar ! ...


Parar para sempre ...
Deixar de bater ...
Dizer que, afinal,
Parar é morrer !


Por isso, só conto
A hora que passa,
Se a vida vivida
Por hora de graça ..


E tens de pensar
Na verdade crua ;
A vida que vives
Jamais será tua !


O resto é só tempo...
E tempo que vai
Perder-se no tempo,
No sopro dum ai ...


Um ai que não conta...
Um ai, sem momento,
Que soltando aponta
A dor e o tormento !

E a prova que prova
Tão triste verdade
É a hora da cova ..
Hora da saudade ! ...


.................



Quando os sinos tocam,
Dobrando a finados...
Lembram as tristezas,
De tempos passados !


JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO
do Livro " Outono da Vida "

OUTONO DA VIDA poema de JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO




OUTONO DA VIDA


No doloroso rescaldo das labaredas
Que queimaram meus sonhos, minhas esperanças,
Vem a misteriosa voz do longe
Gritar mensagens íntimas, poemas singulares,
Em cantares do meu sentir...
Presidiário do Mar,
Meu desumano carcereiro,
Sentindo-me cada vez mais só,
Abafado no silêncio esmagador
Desta insular solidão,
Da minha amarga dor,
Saí mim próprio, em louca evasão ...


Queria gritar, bem alto,
De modo que todo o mundo ouvisse,
O verbo amar... o verbo mar,
Em noites de luar,
Ou manhãs de frio vendaval.


Que loucura a minha ...
Quero receber as gotas de mágoa
Das horas distantes do meu viver ...


Estou no Outono da vida...
Quando as folhas ressequidas rodopiam
E a brisa chora como violino gemebundo ! ...


Há palavras que não entendo
Na minha solidão:
O ontem, o hoje, o amanhã
E aquilo que vive cá dentro,
Cá dentro, no coração ...
O silêncio das coisas,
O sal das lágrimas,
Os sorrisos tristes,
As esperanças diluídas,
As chuvas, que são tormentos,
Batendo nas janelas,
Caindo dos beirais,
Em dolorosos momentos ! ...
Canto louco ... Canto louco ...
Pensamento ... Pensamento
Aonde vais? ... Aonde vais?


JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO
do Livro " Outono da Vida

Amarga Verdade poema de José Maria Lopes de Araújo




AMARGA VERDADE



Não gostas, não, de ouvir falar da morte
Que é afinal a meta do porvir,
Na vida que tu vives, sem sentir
A triste realidade do teu norte !


Por resistente mesmo, por mais forte
Que seja aquele que tentar fugir
Á hora amargurada do partir,
Jamais pode fazê-lo ... É a sua sorte !


Tudo é incerto neste mundo, tudo...
Por isso, eu não me engano, não me iludo,
Ao aceitar a ideia do sofrer ! ...


É que, embora com mágoa, com tristeza,
Na minha vida, a única certeza
É esta, muito dura, a de morrer! ...


JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO

do Livro " Outono da Vida "

" Abre-me a Porta " poema de José Maria Lopes de Araújo




ABRE-ME A PORTA



Abre-me a porta, quero entrar e ver,
De novo, o canto onde eu nasci, há tanto;
No teu regaço Mãe, adormecer
Num sono repousante, puro e santo !


Abre-me a porta; quero percorrer
O lar onde brinquei, e , canto a canto,
Buscar o bem melhor do meu viver
Que se ficou na infância, toda encanto !


Continuarei assim pela vida fora,
A reviver, saudoso, a toda a hora,
O tempo duma vida descuidada ...


Hoje, tudo é saudade e até tristeza...
Tudo se envolve em trágica incerteza...
É tudo vão e pó! É tudo nada ! ...


JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO
do Livro " Outono da Vida "

A CAMINHO DO ALÉM poema de José Maria Lopes de Araújo




A CAMINHO DO ALÉM

Para abrigar meu corpo pecador,
Não quero mausoléu, nem um jazigo.
Só quero campa rasa e, com fervor,
As santas orações dum bom amigo ! ...


Vives agora junto do Senhor ...
Passou-se tudo breve e eu não consigo
Deter, em mim, o amargo desta dor
Que, para sempre, há-de viver comigo !


Ódios, traições, mentiras, malvadez ..
Tudo isso pereceu de uma só vez ...
...E ficou-se o remorso a passear ! ...


E a vida continua, pobre e triste,
Talvez ainda pior da que tu viste ...
... E para sempre assim há-de ficar ! ...


JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO
do Livro " Outono da Vida "