segunda-feira, janeiro 06, 2014

Envelhecer















ENVELHECER

Envelhecer não é gastar a vida,
Não é chegar ao fim desta jornada,
Mas, sim, viver a vida já vivida…
Mas, sim, lembrar a vida já passada.

Recordação de mágoa dolorida,
Lembrança duma lágrima chorada!
Envelhecer não é ver percorrida
Esta bem longa e pedregosa estrada!

Envelhecer … não custa envelhecer,
Àqueles que viveram sem sofrer
Esta eterna, esta indómita ansiedade!

Envelhecer …Olhar o firmamento,
Á hora do sol-pôr e, num momento,
Viver toda a tortura da saudade...

segunda-feira, dezembro 09, 2013

Natal Que Não Volta




NATAL QUE NÃO VOLTA…


Antigamente,
Quando a vida me sorria,
No tempo em que brincava,
E alegremente
Corria
E saltava…
Nesse tempo em que solteiro de ilusões
Acreditava
Nas fadas
E nos Papões…
Enfim,
Antigamente,
A vida para mim
Era bem diferente! …

O Meu Jesus
Trazia-me sempre um presente…
Um lindo brinquedo
Que eu pedia
Muito em segredo! …
… E recebia-o contente ! …

Como outrora,
Eu quisera
Agora –
- Doce quimera –
- De novo encontrar
Não um brinquedo lindo
Que me pudesse encantar…
Mas, um pouco de beleza
E um pouco de alegria
Que viessem aliviar
Esta funda tristeza …
A minha melancolia …

E de manhã de manhãzinha,
Devagar, pé-ante-pé,
Eu corri à chaminé! …
E o meu sapato,
Nessa manhã ainda escura,
Nessa manhã de frio
E esmaecida,
Lá estava, nu , vazio,
Como anda vazia a nua
De ventura
A minha vida ! …

E a minha alma sismadora,
E triste,
Triste e sonhadora,
Acalentou essa esperança
Dos meus tempos de criança,
Dos meus tempos de bebé;
Ir encontrar a ventura
Num sapato, à chaminé!!!...

JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO

segunda-feira, maio 30, 2011

ADEUS


O teu adeus, o adeus que me acenaste,
Nessa noite de dor e de incerteza,
Tinha a límpida e mágica pureza
Dos sonhos cristalinos que sonhaste!

Não foi no triste olhar que me lançaste,
Que vi tombar a trágica tristeza…
Foi nesse adeus, tão cheio de beleza…
Foi nesse longo adeus que me acenaste …
E o teu olhar, tão doce, tão profundo,
Igual á mágoa imensa em que me afundo,
Irmão daquele adeus que me deste,
Diz-me, talvez, talvez amargamente,
Aquilo que a tua alma, há tanto sente,
E que tu, meu amor, nunca disseste ! …


José Maria Lopes de Araújo

quarta-feira, fevereiro 09, 2011

Baladas...poema de José Maria Lopes de Araújo

















Não tentes nunca saber,
Nunca tentes desvendar
O que se pode esconder,
Nesta palavra chorar.

Chorar traduz alegria …
Chorar é voz de amargura …
Pode ser clarão de dia
Ou sombra de noite escura.

A casa que Deus me deu,
Sendo minha, é também tua,
Logo que entres e feches
A nossa porta da rua.

A saudade é tudo aquilo
Do muito mais que ficou,
Para além da própria vida
Que foi vida e que passou.

Perguntas-me o que é saudade …
E eu julgo bem que o consigo,
Dizendo que é o que sinto
Se não te trago comigo!

Muito diz quem pouco fala …
Ditado velho e feliz!
É mais sábio quem se cala
De quem não sabe o que diz!

Podes bem galgar na vida,
Mas sem jamais esquecer
Que a escada da subida
Também serve para descer!

Trago minha alma cativa,
Numa amargura constante …
Não há saudade mais viva
Que a saudade do imigrante!

Esta Quadra do Natal
Tem tal encanto e magia,
Que tudo nela se esfuma
Em Paz, Amor e Alegria! …

Não há mais tenaz sofrer,
Nem tormento mais pungente
Que não saber-se dizer
Aquilo que agente sente!

Não há mágoa mais sentida,
Nem mais profundo doer,
Do que a morte numa vida
Que começa a florescer.

Neste livro dos meus olhos,
Se quiseres, podes ler
Aquilo que trago na alma
E não consigo dizer.

As palavras nada dizem,
Nem podem ter o condão
De revelar um segredo
Que se traz no coração …

Sinto, ao ouvir-te falar,
Vontade de te dizer
Aquilo que, em meu olhar,
Tu finges não entender!

Por que te deixei partir,
Sem te beijar, nem eu sei …
Ficou comigo a saudade
Dos beijos que te não dei.

Ficou a saudade comigo,
Diferente da que levaste;
A doce partiu contigo,
E a mais amarga deixaste!

Vou guardar, em meu sentir,
As saudades que deixares,
Saudades que hão-de partir,
Nesse dia em que voltares …

Quem te disse que uma lágrima
Consegue a dor apagar,
Certamente que não sabe
O que é sofrer e chorar!

Caiem as folhas, formando
Um mar triste de abandono …
As vidas tombam também
Tal como as folhas de Outono.

Muito tolo é quem afirma,
Em certeza caricata,
Que vive matando o tempo,
Quando o tempo é que nos mata!

Ó mar, salgado e profundo,
Que limitas meu destino,
Na tua água vive o mundo
Dos meus sonhos de menino!

O tempo não pesa, não conta,
Como não conta a idade,
Quando na vida nos unge
O perfume da amizade.

Não sei, nem quero saber,
Quando voltas ao meu lar;
Não podem ver-te meus olhos
Tão cansados de chorar!

Quem bate à porta, quem bate?
Quem chama por mim, quem chama?
A tristeza ou a saudade,
Ou a angústia de quem ama?

Ontem, passaste por mim,
Muito perto, à minha beira …
Não gostei de ver-te assim,
Com tão estranha maneira! …

Eu não sei porque razão
Tu finges não entender
Que, há muito, o meu coração
Anda por ti a bater!

Corri sempre atrás de ti,
Sem jamais poder parar …
E, correndo, me perdi,
Sem nunca mais me encontrar.

Não consegues esconder
O que tens no coração …
Teus olhos sabem dizer
O que tu não dizes, não!

Por isso, tentam fugir,
Quando te fito enlevado,
Muito preso ao meu sentir
De te amar e ser amado.

Quem te pudesse entender,
Quem pudesse adivinhar,
O que me tentas dizer,
Nesse teu coce cantar …

Lado a lado, caminhando,
Quase mesmo que adivinho,
De olhos nos olhos, andando,
Pisando o mesmo caminho!

Recuses embora a dor,
O tormento, o teu sofrer,
Serás sempre, meu amor,
A razão do meu viver!

José Maria Lopes de Araújo

quinta-feira, abril 22, 2010

ENGANO


Não me olhes mais assim que eu quero ver
Outra alegria, em teu magoado olhar …
Não me olhes mais assim, que eu vou perder
O Bem que trago, em mim, para te dar! …

Toda essa angústia que te faz sofrer,
Toda essa dor que te anda a atormentar
São mistos de amargura e de prazer
Que, na vida, jamais te irão deixar!

De mágoa, pela tua solidão …
De prazer, porque te enche o coração
Uma forte esperança de ventura …

Tudo isso é transitório e enganador;
Embora brilhe o Sol, com muito ardor,
Vai-se depressa … e volta e a noite escura!


JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO

quarta-feira, março 24, 2010

Pergunta.......poema de JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO
















Já vejo espuma rendilhada,
Beijando a negra rocha das encostas…
E os ramos do arvoredo já me acenam
Um demorado adeus da saudade
Que anuncia a breve partida …
Densa, espessa neblina,
Ao longe, como pesada cortina
Cinzenta, da cor do mar,
Cai e rouba ao meu olhar
A singular beleza do Pico
Que tanto me faz encantar!

Porque será que a saudade
Se antecipa no chegar,
Com a tristeza da largada
Com a alegria do voltar !


Mas quem pode entender, quem,
Os sonhos belos e tristes
Que nas almas se aninham
Quando vivem sem ninguém?

José Maria Lopes de Araújo

quinta-feira, fevereiro 18, 2010

CONTRASTE de José Maria Lopes de Araújo















Quando a saudade chega, o pensamento
Vai longe, muito longe, na procura
De algo que é muito mais que desventura,
Que é dor, tristeza e mais que sofrimento.


Quando a saudade chega, é o momento
De se abraçar a cruz que nos tortura,
Pesada e negra como a noite escura,
Triste e angustiosa como a voz do vento !
Mas, se acaso ela pára no caminho,
E me deixa assim triste e mais sozinho,
Embora seja amarga a companhia,


Eu canto as horas da sua chegada
Para senti-la mais acarinhada
Por este coração que a repudia!

JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO

quinta-feira, janeiro 28, 2010

ARREPENDIMENTO de José Maria Lopes de Araújo

















Ai, se eu pudesse, se pudesse agora
Travar esta corrida para a morte,
Apontaria, à vida, um outro norte
Que eu quisera nunca dar outrora.


Por isso, este remorso que apavora
E me consome é cada vez mais forte …
E não há nada que me trave ou corte
Esta mágoa que, em mim, há muito mora!

Poria toda a luz em meu viver…
E nunca, nunca mais queria ver
Essa ilusória imagem da ventura…


Se ela surgisse agora, em meu caminho,
Não voltaria a ter o meu carinho,
Mas, sim, o fel de toda esta amargura !

JOsÈ MARIA LOPES DE ARAÚJO

sexta-feira, dezembro 18, 2009

Natal























NATAL

I

Todos os anos escuto o mesmo :
- Natal ! Natal ! Paz, Alegria, Amor,
Presépio, Lareira, Calor!
E ali vive a fome, dura, crua, nua.
E mais além se estende o frio,
Nos escuros casebres,
Nas portas dos templos,
Na rua … na rua !


Outra vez Natal …
Mas que Natal à vista?
O mesmo de sempre.
Quem m’o nega? Quem?
Que se lance um olhar
Para além,
Para além do mar …
E digam-me onde está o Bem …


No Iraque? Em Timor?
Já satura, já cansa
Sustentar uma esperança
Duma paz mentirosa,
Suportar esta dor,
Numa guerra que se adivinha
E que se aproxima e avança!

Basta de insultos!
Na árvore esplendorosa
De brilhos e de luzes,
Há reflexos de cruzes
Que arrastam os que sofrem!

Natal? Só agora? Agora?
Hipócritas! Hipócritas!
Todos os dias acontece Natal! …
Ele veio ao Mundo e ficou …
E anda por aí maltratado,
Injuriado, abandonado,
Na imagem viva dos que sofrem!

Olha o encarcerado,
O doente, o moribundo,
O inocente roxo de frio,
A inveja, o egoísmo e o mal
E então poderás clamar bem alto:
Agora afinal é que é Natal!
 
José Maria Lopes de Araújo

sábado, dezembro 12, 2009

Amanhã...... poema de José Maria Lopes de Araújo

















Amanhã, se eu chegar ao sol-nascente ,
Não quero mais pensar no fim da vida,
Porque ele é bem, a angústia indefinida
Que esmaga e que tortura toda a gente !

Depois, quando vier o sol-poente
Rosa ou lilás ou cor esmaecida,
Verei cair, ao longe, amortecida
A flor da esperança que se sente.

Amanhã, eu sei lá se esse amanhã
Passa na minha vida e se ele vem
Com esse bem que, há tanto, ando a esperar.
Mas se vier, eu tenho a certeza
Que a tristeza será menos tristeza
E em alegria se há-de transformar.


JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO

terça-feira, novembro 24, 2009

AMOR




















No vasto mar, no céu ou na montanha,
Na serra ou no planalto adormecido,
Eu vejo-o a vaguear tonto e perdido,
O louco amor … essa figura estranha!


Amor, irmão da noite … amor tristeza,
Amor escuridão … tédio …pavor…
Nostálgica visão de sonhador…
Amor inquieto e feito de incerteza!


Amor em labareda … Amor em chama …
Amor que aquece a alma gelada…
Que chora e ri, e canta, e geme, e clama
Em vão!...Amor que é tudo! Amor que é nada!...

Quando sofro, alivio a minha dor,
Chorando; e quanto é bom chorar assim…
Com lágrimas dizendo, como em mim,
Crepita e arde o fogo dum Amor !


 
 
JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO
do livro " Noites de Alma "

sexta-feira, novembro 13, 2009

HOJE






















Hoje ---- não sei porquê --- entrou em mim
Um sentimento amargo, diferente …
Não é dor nem saudade o que se sente ,
Quando a vida caminha para o fim ! …


É qualquer coisa que nos amarga.
E que nos inquieta, assim de tal maneira
Que a própria noite faz-se mais escura
E a hora que passa é sempre a derradeira!


Que mal estranho me tortura agora …
Hoje, sinto-me mais triste e sem razão,
Porque ainda me bate o coração
Tão forte ou mais do que batia outrora!


Hoje, é aquele dia que me fala
De outros dias perdidos, na distância,
Que me separa da longínqua infância,
Com voz saudosa que jamais se cala!




JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO
do livro " Labaredas "

segunda-feira, novembro 09, 2009

SEM AVENTURA, SEM PAZ, SEM AMOR ... José Maria Lopes de Araújo




















Não tentes, nunca, nunca, desvendar
O mistério que envolve o meu tormento…
É que, eu próprio não sei que sentimento
Me invade, quando fico a meditar …

Trago, na alma, um constante murmurar
Que acusa o meu inquieto desalento,
Como tarde outonal, de céu cinzento,
Como noite viúva de luar!


Embora seja amargo o meu caminho,
Deixem-me seguir, assim sozinho,
Muito agarrado à minha própria dor …


É que, só ela me pode entender,
E entender a razão do meu viver,
Sem ventura, sem paz e sem amor …



JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO

quinta-feira, novembro 05, 2009

ESPERANÇA




















ESPERANÇA
Quiseras ser aquele que não sou :
Mais são, mais puro, menos pecador,
Viver de novo o tempo que passou
Mas, esbanjando o Bem, a Paz e o Amor !

Caminho sem saber para onde vou.
Confio em ti, meu Deus e meu Senhor.
A minha Fé é tudo que Te dou
Em troca do perdão, do Teu Amor.

Mas, a minha esperança é que virá
Um dia, em que o viver acabará
No confuso monturo deste mundo …

E levarei comigo, sem remédio
A amargura, o tormento, a dor, o tédio,
Deixando o meu desgosto bem profundo !


JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO
do livro " Labaredas "

domingo, novembro 01, 2009

HORAS CONTADAS

















HORAS CONTADAS


II





Amanhã… Com que amarga ansiedade,
O esperamos, tão cheios de incerteza…
Virá emoldurado de tristeza,
De alegria, de encantos, de saudade?




Que mistério o envolve, na verdade!
Virá aureolado de beleza?
Ou traz consigo aquela chama acesa
Que não aquece uma avançada idade?


Amanhã … Mas que quer isto dizer,
Se a noite ainda longe vai descer …
Quem sabe, quem, se lá irá chegar?




Amanhã … Sempre um amanhã incerto ;
Por isso mesmo, logo que desperto,
Noutro amanhã me ponho a meditar!


JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO
do livro " Horas Contadas "

terça-feira, outubro 27, 2009

ILUSÃO
















ILUSÃO


Hoje sinto-me triste … A soledade
Inunda o meu viver, duma incerteza,
Duma dor que avoluma esta tristeza
Que é toda, toda feita de saudade.

Hoje, sinto-me triste, porque me invade
O coração um mundo de lembranças
Que abafam, dentro de mim, as esperanças
Que acalentei, na minha mocidade!


Acreditei na vida … Acreditei
No Bem, no Amor, em tanto que nem sei …
E afinal sinto-me hoje, amargurado!


Como seria tudo diferente
Do que o meu coração agora sente,
Se eu pudesse voltar ao meu passado! …


JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO
do livro " Horas Contadas "

Maria, Mãe do Céu














MARIA, MÃE DO CÉU



A Teu lado, caminho, dia a dia ;
Nas Tuas mãos, depus o meu destino,
Desde os longínquos tempos de menino,
Quando aprendi a orar Avé Maria !

Nos momentos amargos de aflição,
Sempre me ouviste, mesmo pecador,
Quando, com muita fé, com muito amor
Pedia a Tua ajuda, o Teu perdão!

Eu não posso aceitar nem entender,
Quando mais acalento este fervor,
Que ainda exista quem possa viver
Sem ter o Teu amparo, o Teu amor!

Maria! Mãe do Céu! Mãe de Jesus !
A Seus pés, foste bem amargurada.
Se Ele arrastou uma pesada Cruz,
A Tua, Santa Mãe, foi mais pesada! …


JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO
do livro "Horas Contadas "

domingo, outubro 25, 2009

PARA QUÊ?...poema de JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO















PARA QUÊ ?

Saí de mim em busca de ventura,
Daquele bem que em vão idealizei
Minha esperança fez-se mais escura
Quando sem nada, nada, a mim voltei.

De tudo que me inquieta e me tortura
Do quanto eu cegamente acreditei,
Apenas se mantém impune e pura
Esta paixão que sempre te doei !

E pergunto a mim mesmo para quê
Se tenta crer no quanto se não vê,
Se dentro de nós não arde, não aquece,

A labareda ardente de um amor
Capaz de transformar a própria dor
Em alegria que jamais perece?!


JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO


do livro " Horas Contadas "

CARTA SEM DESTINO.....poema de JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO




















CARTA SEM DESTINO

Não sei se vou voltar a escrever
Aquela carta, mulher que não conheço,
Toda esperança e mais que bem querer
Para dizer, amor, quanto padeço.

Não sei o que sentirias,
Como não sei porque razão
A água da ribeira corre para o mar …
Nem sei sequer porque motivo
Bate à minha porta o vento,
Num gemido, num lamento
Que me faz sofrer
E, quanta vez, ai quanta,
Mesmo em noites de luar!

Nada sei,
Porque fiquei,
Na vida, parado à tua espera,
Mulher que não conheço.

Todo este sentir,
Num torturante viver,
Se vai numa nuvem de esquecimento
Que, ao longo do passado,
Se foi perdendo, na distância dos tempos,
Levado para longe, por este vento
Que me inquieta e me angustia.


JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO

do livro " LABAREDAS "

LABAREDAS...poema de JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO




















LABAREDAS


Esta amargura imensa,
Esta incerteza,
Não haja, não,
Quem as queira avaliar…
Que só pode entender
Minha amargura,
Minha tristeza,
Quem já sentiu, então,
O coração parar ! …


Nesta vida, tão cheia de impureza,
Jamais alguém
Consegue caminhar,
Numa sedutora rota
De encantos e beleza,
Sem olhos magoados,
Cansados
De chorar …

Deixem-me cantar,
Nesta noite viúva de luar,
A dizer
A quem quiser entender
Que meu canto é eco de sofrer,
É labareda da chama
Que se ateia em meu viver …


JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO

do livro " Labaredas "

REMORSO...poema de JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO















REMORSO


Sinto remorsos, sinto, de não ter
Gritado, aos quatro ventos, quanto
De bom teria feito, como santo
Que fui predestinado, ao meu nascer!

Remorsos por não ter vivido a vida
Como Jesus viveu : - Semeando o Bem,
Amando todos, sem magoar ninguém;
Trazer a alma de Paz enriquecida.


E por não ter sabido perdoar
A quantos me feriram e me dão,
Ainda, a dura prova do seu Não
Ao amor que eu, em vão, tento esbanjar.

Não saber derramar a caridade,
Sem discriminação … Não dar amor
A quantos vão sofrendo a amarga dor,
No silêncio da sua soledade!

Remorsos tenho de sentir, enquanto
Não for aquilo que eu quisera ser,
Semeando o Bem e o Amor, em cada canto,
Como única razão do meu viver ! …


JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO
 
do livro " Horas Contadas "

sábado, outubro 24, 2009

DESPEDIDA ...poema de JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO
















DESPEDIDA



Na despedida, vou dizer-te adeus,
Sem mágoa, sem pesar e sem tristeza…
É que trago comigo esta certeza
De que, no Além, me espera há muito Deus!


Quando partir não quero ver os teus
Olhos chorarem; só quero ouvir reza
Bem sentida, impregnada de pureza
Tão leve que depressa chegue aos Céus!


Parto feliz, vou encontrar no Além,
A alegria, a ventura, a paz, o Bem
Que nunca tive, nunca, em minha vida …

Não te sintas sozinha … Eu vou ficar,
No ar aqui envolve o nosso Lar …
…Não chores, pois, na hora da partida!
 
 
JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO
 
do livro " HORAS CONTADAS "

DESALENTO....poema de JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO

















DESALENTO

Porque a vida não pára, eu, vacilante,
Quero parar, mas sinto, apavorado,
Que, mais a mim, se chega a cada instante,
O fim do meu caminho limitado!

Como vai longe! Ai, como vai distante
O tempo em que vivia descuidado,
E me falava a doce voz cantante
Desse presente que se fez passado!

E a ele volto e não encontro nada,
Que me fale da vida amargurada
Que ao recordá-la ainda me angustia.

Com que tristeza tudo, tudo lembro,
Neste dia cinzento de Novembro,
Nesta manhã viúva de alegria !


JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO


do Livro " HORAS CONTADAS "

HORAS CONTADAS ...poema de José Maria Lopes de Araújo




HORAS CONTADAS

I


Eu não quero que o tempo corra assim,
Depressa como forte ventania …
Pois dia ainda, é noite, dentro de mim,
E a ideia do amanhã já me angustia.

Nada é eterno… Tudo tem um fim…
Vai chegar, cedo ou tarde, aquele dia
Em que o meu Não será mais do que um Sim,
Até mesmo, na hora da agonia!


Louca ilusão a minha, pois ninguém
Pode fugir à morte que ela vem
No mistério insondável do futuro,

Ninguém chegou aqui, para ficar …
Quem vem do nada, ao nada vai voltar …
… E tudo o que se aspire é prematuro.


JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO
do livro " Horas Contadas "

VENTURA ...poema de José Maria Lopes de Araújo




















VENTURA

No 30º Aniversário do nosso Casamento

Tracei, no espaço vão da minha vida,
A imagem da Mulher idealizada ...
E tu surgiste, em sonho, emoldurada
De esperanças e de amor enriquecida !




Fizemos, de mãos dadas, a partida
Para esta incerta e longa caminhada,
Quantas vezes te vi, acabrunhada,
Quanta vez te encontrei desiludida.




E se é certo que também assim me vias,
A tristeza e o desânimo escondias,
De modo a evitar o meu sofrer !




Não sei como é possível, meu amor,
Em alegria, transformar a dor ...
...Ai, como foi tão bom assim viver !




31-10-1984


JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO

do livro " Outono da Vida "

AGUARELA OUTONAL .....poema de ...JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO




















AGUARELA OUTONAL

O Sol ficou cinzento ; e o azul do Céu
Cobriu-se com um manto esfarrapado ...
E, triste, o coração desalentado
Envolveu-se de luto, em negro véu !

Mas, para quê viver assim. Senhor,
Numa constante e amarga ansiedade ;
Se esta vida é apenas corredor
Que, breve, nos conduz à Eternidade !

A vida também tem o seu Outono ...
Desilusões são folhas, no abandono,
Ressequidas, levadas pelo vento !

Cabelos brancos, rugas bem vincadas,
Olhos tristes de lágrimas salgadas,
São imagens do Outono e do tormento !



JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO

LIVRO " Outono da Vida " 1985

sexta-feira, julho 10, 2009

CREPUSCULO poema de José Maria Lopes de Araujo




CREPÚSCULO



Já nada mais espero desta vida
Além do teu amor, do teu carinho,
São bênçãos que me sulcam o caminho
Que vou pisando, antes da partida !


A Cruz é mais pesada, na subida,
E custa-me arrastá-la assim sozinho,
Pois vão peando os anos, á medida
Que as forças vão faltando, no nosso ninho.


E enquanto vamos indo, lado a lado,
Deixamos, na distância do passado,
A imagem dessa mágoa que ficou.


Na esperança de dias venturosos ...
Recordação de instantes tão saudosos
Que, longe, no horizonte, se esfumou !



JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO
do Livro " Outono da Vida "

IRMÃ TRISTEZA poema de José Maris Lopes de Araújo



IRMÃ TRISTEZA



Era uma vez ... Fatigada
De fazer sofrer e magoar,
Uma fada encantada,
Cansada de chorar e fazer chorar,
Entrou dentro de mim e disse :


- Não quero mais sair desta prisão !
Vou, para sempre, aqui ficar ...
Venho, para sempre morar,
Dentro do teu coração !


- Quem és tu ? – interroguei,
Apavorado.
Ela respondeu :
- Não sei ... não sei ..
Só sei que te não posso ver,
Viver assim,
Atormentado !


Mas, quem és tu, quem me fala assim ?
- És a dor? A saudade ? A amargura ?
- Onde moras e donde vens ?
Do mar ? Do céu ? Da noite escura ?
Ou do ignoto mistério da natureza ?


E a voz de longe respondeu,
Baixinho, como quem reza –
- “ Sem mais sim, sem mais não “ :
- Sou a tua irmã tristeza !
Que importa quem seja eu,
Se vier, nos braços da paz,
Para sempre, adormecer
Dentro do teu coração !



JOSÈ MARIA LOPES DE ARAÚJO
do livro " Outono dqa Vida "

MUNDO DE POETA poema de José Maria Lopes de Araújo



MUNDO DE POETA


Se vives por viver, desprendido
Deste Mundo,
Entregue ao teu íntimo sofrer,
Em silêncio profundo ...
Se abres o coração
À dor alheia,
E te saltam também dos olhos
As lágrimas dos outros olhos,
Em triste manhã de Inverno
Ou noite de lua cheia...


Se vibras de encanto
Com a estranha e singular
Beleza
Do céu, do mar,
Da Terra,
De toda a Natureza ...


Se entendes a amargura
Dos torturados ...
Se dás a tua mão, unindo-a bem
À de quem sua mão
Te estende também ...


Se sentes vontade de gritar
Quando a injustiça te gera revolta
E consegue abafar
O clamor que não se solta !


Se entras no Templo
Da tua alma,
Para viveres a vida de um asceta,
Quando te chora o coração ...
Meu amigo e meu irmão,
No sofrimento e na dor,
O teu mundo é um mundo diferente :
- Um verdadeiro mundo de poeta ...
- Um mundo todo Paz e todo Amor ! ...


JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO
do Livro "Outono da Vida "

quinta-feira, julho 09, 2009

QUEM poema de José Maria Lopes de Araújo





QUEM ?


Que importa que o vento leve ,
Para longe , esta canção ,
Triste e fria, como a neve,
Que envolve o meu coração .


Que importa que seja o vento
Quem me venha segredar
Que apenas o sofrimento
Se adivinha em meu cantar !


Bem o sei, e muito embora
Eu me tente libertar
Desta dor que me apavora,
Me escraviza e faz chorar.


Quem vem comigo, quem vem
Fugir desta soledade,
Em busca daquele bem
Que se chama liberdade ?


Parto, não sei para onde ...
- Quem vem comigo, quem vem ?
E a voz do longe responde :
- Ninguém mais, ninguém, ninguém ! ...


Eu nada consigo, nada ...
Tudo em mim é desventura ,
E pela noite calada
Passeia a minha loucura ,


A gritar o meu tormento,
Esta mágoa que perdura ,
E traz-me, a cada momento,
O fel da minha amargura ...


- Quem vem comigo cantar
O hino da paz e do amor,
E a todo o mundo levar
A alegria e nunca a dor ?


Vai, caminha, sem ninguém :
- Sibila-me a voz do vento,
Quando pergunto : - Quem vem
Suavizar o meu tormento ? ...



JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO
do livro " Outono da Vida "

CARTA poema de José Maria Lopes de Araújo





CARTA


Estou só ... Muito sozinho ...
Na tua ausência, querida,
É mais áspero o caminho
Que vou pisando, na vida !

Nem que seja um só dia,
Sem ti, já não sei viver ...
Foge de mim a alegria ...
... E sinto-me entristecer !


Torna-se o mar mais cinzento ...
Do céu caem gotas de água
Que são farpas de tormento,
Que são lágrimas de mágoa !


Separados, minha dor
Não tem remédio nenhum,
Porque sempre , meu amor,
Tu e eu formamos Um !


Um só Ser, um coração
Que tem o mesmo bater ...
Uma única oração
Aquece o nosso viver !


É por isso que te escrevo ...
Não consigo assim falar
A quem me possa entender,
A quem me saiba escutar !


Mesmo longe, vives perto ...
Muito pertinho de mim.
Podes crer que estou bem certo
De que ninguém vive assim !


Ronda em minha alma a saudade,
Por não te poder falar ...
Cresce em mim esta ansiedade
De escrever, desabafar !


Mas que ilusão esta a minha ...
Nem sequer saber esperar ...
Quando afinal, à noitinha,
Tu voltas ao nosso lar ! ...


JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO

do livro " Outono da Vida "

NEM ESCRAVOS, NEM SENHORES poema de José Maria Lopes de Araújo




NEM ESCRAVOS , NEM SENHORES


Deixem-me gritar a minha loucura ...
Quero que ela seja ouvida
E se faça vivo facho, na noite escura
Da minha vida !


Deixa-me dizer Não e Não,
Mesmo quando o coração
Tente arrancar-me um sim....


É que eu quero ser diferente
Dos outros, dos outros ...
E ser somente, somente,
Igual a mim !



Se é de louco o meu olhar,
Maior loucura encerra
O teu fixar ...
Aterrador fixar !


Sou livre ... Quem o nega ? Quem ?
Deixem-me partir, clamando,
Aos quatro ventos,
Que tenho um mundo meu,
Só meu e de mais ninguém ...


Um mundo diferente do teu,
Um mundo que não tem
Barreiras de inveja,
Fundos sulcos de ódios
E tormentos !


Deixem-me cantar a liberdade
De poder gritar
A toda a gente :



- Sou isento e livre !
- Não tenho senhores
Nem sou escravo !
Não quero condomínios ...
Quero total independência ...
Quero ser livre ...
Ser diferente de outra gente,
Respirar o ar puro da liberdade
E ser mesmo um outro Ser diferente !


JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO
do livro " Outono da Vida "

PARTIDA poema de José Maria Lopes de Araújo





PARTIDA



Desde a hora em que partiste
- Parece ter sido há tanto –
No álacre lar que tu viste
Há tristeza, em cada canto ! ...


Há mais frio nos serões ...
No silêncio, a alma chora ...
E nos nossos corações
Há menos calor, agora !


Volta, volta novamente,
A tua casa, ao teu Luar
Onde só, com nossa gente ,
Se conjuga o verbo amar ! ...


Contigo, foi-se a alegria ,
E ficou a soledade ...
Na tua cama, vazia
Deita-se agora a saudade !


JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO
do livro " Outono da Vida "

UTOPIA poema de José Maria Lopes de Araújo




UTOPIA


Quem me dera, quem me dera fugir
Deste negro cárcere,
Desta dura prisão,
Onde há muito vivo
Abandonado, cativo,
Nos braços da solidão !


Se eu pudesse viver
Dentro de ti,
E tu, bem dentro de mim,
Mas sem ninguém entender
O nosso viver assim...


Isolados neste mundo ...
Alimentando uma esperança
Que virá, não sei bem donde ..
... Na chama do amor vivendo,
O coração não se cansa !


Quem conseguisse viver este dia,
O dia de hoje, como se fosse
O último da minha vida ...
Esmagando ressentimentos,
Aleijando-me de toda a podridão
Que me enegrece a alma e enluta o coração !


Quem pudesse suster
Os passos incertos
No caminho errado
Do nosso viver !
E ao passado não voltar ...
E saber esquecer,
Esquecer e perdoar !


Quem pudesse reter
A lágrima que teima,
Dolorida,
Soltar-se dos olhos vidrados,
E que queima
Os rostos enrugados
Dos vencidos da vida ! ...


Mas, nada disto consigo,
No tresloucado pensar
De poeta sonhador ...
Quem me dera esmagar
Todo esse desejo vão
Que nasce da minha dor
E vive em meu coração .

JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO

do Livro " Outono da Vida "

OBRIGADO, SENHOR poema de José Maria Lopes de Araújo




OBRIGADO, SENHOR



Obrigado, Senhor,
Porque hoje, mais uma vez ,
Me cobriste com teu amor,
Pois, neste momento,
Destruindo desejos vãos
Me fizeste entender
Que mais não sou, no meu viver,
Do que simples instrumento
Nas tuas Santas Mãos !


Obrigado, Senhor,
Pelo abandonado que me enviaste,
Tornando-o Cruz, no meu caminho,
Não como aquela, pesada, que arrastaste
No Gólgota, sozinho ..
Mas uma Cruz de Amor,
Uma Cruz de Bem e de Carinho ...
E fizeste, Senhor,
Com que meus olhos vissem
Em cada espinho
Uma flor !


Por isso, neste dia que passa
Te dou um forte Sim ...
Quero inundar-me na Tua Graça,
Com verdadeiro Amor,
Sempre que te lembres de mim,
Sempre que te lembres
Deste pecador ...



Obrigado, Senhor ! ...

Obrigado, Senhor ! ...



JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO
do livro " Outono da Vida "

POESIA poema de José Maria Lopes de Araújo





POESIA


Poesia?
Vais encontrá-la numa candura do olhar
De uma criança !
Na ruga tortuosa e funda
De um velho que abandona
A barca da esperança !


Poesia?
Ei-la que surge, em teu caminho,
Recordando uma história do passado ,
Eivada de beleza ,
Com momentos de alegria
E horas de tristeza !


Poesia ?
Existe, sim, existe
No indizível encanto
Duma flor...
Num breve momento triste ...
No rumorejo da fonte,
Na imagem da saudade
Que se perde no horizonte,


No adeus de quem parte,
No adeus de quem fica,
Em tudo que se envolve
De encanto e sonho e arte ! ...


Poesia?
Ei-la, na vida,
Nos braços ressequidos,
Erguidos para o céu ,
Num marcante símbolo de abandono
Que é a árvore despida,
Em tardes pálidas de Outono !


Poesia ?
Ei-la, adormecida,
Nas noites cálidas de Agosto,
No brilho das estrelas,
Na branca espuma do mar,
Á hora triste do sol - posto,
Com a brisa a murmurar !


Poesia ?
Respiramo-la ...
Inunda o nosso viver ...
Existe ... existe em tudo,
Menos nesse tudo
Que se diz poesia,
Sem nunca poesia ser !


JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO
do livro " Outono da Vida "

NOVO LAR poema de José Maria Lopes de Araújo






NOVO LAR


O nosso pai e a nossa mãe velhinha,
Chorosos, hoje, vêm-me partir,
Um novo lar, “ ditoso ? “ ir construir,
Pequeno “ reino “ onde serás rainha ? ...


Partes feliz, bem sei, tenho a certeza.
E eu fico triste, só talvez por ver
Os nossos pais chorando, sem saber
Se choram de alegria ou de tristeza !


Na hora em que partiste, em que deixaste
O lar, onde nasceste, onde brincaste
E emoldurou a tua mocidade,


Alguém veio preencher o teu lugar :
Silenciosa e triste eu vi entrar,
A pálida figura da Saudade ! ....

22-05-1943




JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO

do livro " Outono da Vida "

MAR poema de José Maria Lopes de Araújo




MAR


Espuma branca subindo ,
Subindo sempre, no ar ,
É rendilhado caindo
Nas salsas ondas do mar !


Mar castanho, mar cinzento ,
Mas sem ter cor definida ..
Mar que fala do tormento
Que atormenta a minha vida !


Eu não posso viver, não ,
Um só dia, sem ver mar ...
Dá-me vida, ao coração ,
O seu doce marulhar !


É meu ímpio carcereiro ...
Não me deixa em liberdade !
Mar dum luar de Janeiro
Mar dum luar de saudade !


Por que me prendes assim,
Quando, às vezes, fugir tento,
Para enfrentar dentro de mim
E abafar o meu tormento ?


Deixa-me partir, um dia,
Para, mais tarde, voltar
Nos braços da nostalgia
E então poder-te abraçar !


Não posso, nem sei viver
Sem ouvir a voz do mar,
Que me faz adormecer
Nessa canção de embalar !


Mar da morte, mar da vida ,
Mar de lágrima salgada ...
Tens tristeza, na partida,
E alegria na chegada !


JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO
do livro " Outono da Vida "

TORMENTO poema de José Maria Lopes de Araújo





TORMENTO



Bem queria em Graça estar
O resto da minha vida ...
Que amanhã pode chegar
O momento da partida ! ...


Quanto tempo vai durar
O nosso viver, querida ?
Quem pudesse adivinhar ,
Como e quando a despedida !


E tudo isto é quanto inquieta
A minha alma de poeta,
Que não cessa de sofrer ,


Com esta ideia constante
De que a vida é um instante
Que mal se chega a viver ! ...


JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO
do livro " Outono da Vida "

MENINO DE ROSTO SUJO poema de José Maria Lopes de Araújo



MENINO DE ROSTO SUJO ........

A ti, menino de ninguém


Sem norte era teu caminho,
Jornada de mágoa e dor ...
Tinhas sede de carinho ...
Trazias fome de amor !


De rosto sujo, menino ...
Como é negro o teu destino !


A lágrima que rolava
No teu rosto macerado,
Amargamente falava
De um tormentoso passado ...


Um passado curto ainda
Tão tristemente marcado ...
A este mundo, tua vinda
Foi o fruto do pecado !


Dum pecado que persiste
A marcar a tua vida ...
Uma esperança tão triste
Feita de esperança perdida !



Como é negro o teu destino !
De olhos molhados, menino ...


É que não ter o calor
De mãe, de pai ou de alguém,
É viver-se sem amor ,
Sem carinho de ninguém !


No rosto sujo teus olhos
Que trazem tanta amargura,
Mostram bem teu mar de escolhos,
Menino órfão de ventura !



De olhos molhados, menino ...
Como é triste o teu destino !



JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO

do Livro " Outono da Vida "

segunda-feira, julho 06, 2009

Lopes de Araújo ( filho)




Agradeço sensibilizado uma vez mais as palavras do Daniel sobre o meu saudoso Pai.

Agradeço as palavras do Onésimo e a referência ao estudo do Prof.Gustavo de Fraga amigo que tão bem conheci.Agradeço ao João Luís ter posto no Forum o link do Blog da iniciativa de uma amiga Mariense Isabel Valente.Agradeço em nome de meu pai que faz este ano quinze anos partiu por fim para a grande viagem...

Digo por fim porque desde o seu primeiro livro de poemas publicado quando tinha apenas 20 e poucos anos,(Noite de Alma-1944) a morte e o mistério insondável do além marcou não só a sua poesia, mas a sua própria existência.

Toda a sua poesia foi publicada em edições de autor,recusando sempre os apoios e os subsídios à edição.Por esta e outras razões a sua poesia não saiu das paredes da ilha e foi agora a mão amiga da mariense Isabel Valente que ao colocá-la no mundo da net, a fez chegar já a tantos que até agora desconheciam os seus versos.Estou muito grato a ela que fez o que eu gostava de ter feito e não fui capaz de fazer!

O Daniel sabe que a estima que nos une é mútua e que meu Pai tinha por ele uma admiração e carinho sem limites.

Hoje tenho eu a mesma admiração pelo Daniel se bem que nunca tivesse tido muitas oportunidades de o manifestar assim publicamente.

Faço-o hoje e com prazer e espero ainda ir a tempo.

Por esse mundo etéreo da net rodando à volta do globo em todo o lado e em sítio nenhum, a saudade trouxe-me pela vossa mão o meu pai vivo e presente... por breves momentos.

Como se essa forte relação do meu pai com o Daniel,começada em Santa Maria há mais de cinquenta anos, ultrapassasse o olhar da Bela Vista para Santana e se estendesse de repente para além do Paúl e do Pico Alto pelo céu adentro até á eternidade...
Obrigado a todos por este momento de felicidade e de saudade no fim da tarde desta sexta-feira de entrudo!


LA ( LOPES ARAÚJO -filho)




Depoimento do Escritor DANIEL DE SÁ, sobre o poeta JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO

Tenho alguma dificuldade em falar do poeta Lopes de Araújo, porque lhe fui tão próximo, que até me atrevo a julgar que, além da família de sangue, talvez ninguém tenha gostado tanto dele quanto eu. E creio até que não se pode entender bem a sua poesia sem lhe conhecer a vida. Lopes de Araújo nunca foi um fingidor. Não escapando à trilogia fatal de quase todos os poetas (a vida, o amor e a morte), ele foi um homem que amou a vida e amou o amor e que não teve pudor algum em manifestar a sua fragilidade perante a ideia da morte. Creio que, tanto como eu, ele repudiaria essa parvoíce da divisa dos Açores “Antes morrer vivos do que em paz sujeitos”, herdada de Ciprião de Figueiredo e tomada do B.I.I. 17. Porque não há maior sujeição do que a morte.


Lopes de Araújo teve o mérito de teimar em ser o que era, ou de ser poeta como sentia que era, sem arriscar as novas formas poéticas, muitas delas meramente experimentais e que ficaram como casos dignos de estudo mas dificilmente como escola para o futuro. Romântico, anacrónico talvez perante as correntes da moda, hoje, quando todas as formas da Arte já não são definidas pelo tempo nem pelo modo, pode voltar a ler-se a sua poesia como um puro exercício de “falas do coração”. E, quem disser que a poesia não é isto precisamente, nunca foi poeta ou nunca o será.

Daniel

sexta-feira, julho 03, 2009

Fotos da peça de Teatro " Estas-te Consolando " de JOSÉ MARIA LOPES DE ARAUJO

Recebi da ANA LOURA, uma fã do nosso querido poeta açoreano
" JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO " algumas fotos históricas da peça de teatro " ESTAS-TE CONSOLANDO ".





















Porque este blog é todo ele dedicado ao POETA, aqui deixo também algumas recordações partilhadas por e-mail, de outra pessoa que o conheceu pessoalmente o poeta JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO, partilhando connosco a sua admiração e saudade, é Sr. ROSÉLIO REIS da ilha de S. Maria , Açores "

Transcrição do e-mail:


" Cara amiga Ana Loura:

Obrigado pelas fotos que apreciei. Foi a melhor coisa que me podiam oferecer: também se vive de recordações. Ou por outra, recordar amolece-me o coração e também me entristece por causa das saudades que tenho de quando era menini e moço.
Por acaso vi a revista por duas vezes e foi lindo. Não me lembro da minha idade na altura (9, 10, 11...?) Lembro-me perfeitamente de algumas das pessoas que estão nas fotos, quase todas falecidas, e de muitas das cantigas com arranjos de Teófilo Frazão.




Do autor tenho uma boa memória. Era uma pessoa culta e escreveu poesia, parte dela reunida em "Cinzas Quentes". Adaptou para a Rádio CAA algumas radionovelas. Era uma pessoa com muito espírito de humor, um repentista e um bom observador da sociedade da época, que caricaturou de uma forma impecável. Era um bom contador de histórias e de anedotas, gostava imenso de atirar piadas, mas não ficou por cima com uma resposta que um dos seus alunos, no Externato, lhe deu.
O aluno vestia um casaco com uma daquelas golas peludas que estavam na moda. O Sr Lopes de Araújo, que era careca, e para fazer graça, perguntou ao aluno, batendo com o dedo indicador na gola:

- Já puseste DDT aí?

O aluno não se atrapalhou e respondeu, tocando com o dedo na cabeça:

- Nã senhor, que faz cair o cabelo...

Num tempo em que não havia televisão, nem computadores, nem liberdade de "dizer" coisas, para já nem falar da liberdade de expressão, tudo o que não era cinzentão ou preto dava alegria à vida triste que se vivia naquele tempo dito das "vacas magras". (Coitadas das vacas: não eram gordas nem magras mas ficaram como símbolo de um tempo de servidão, como se fossem culpadas das velhacarias dos humanos...) Por isso, o Sr Lopes de Araújo, com a revista "Estás-te Consolando" e a outra que fez mais tarde (não me lembro bem do nome (Ai não me digas??)mas o bombo da festa era o Carlinhos (o Carlos Gil)), deu um grande contributo à sociedade na qual se integrou, envolvendo dezenas ou centenas de pessoas, merecendo que a sua memória seja lembrada e respeitada.

Um abraço
Rosélio "


*****************






Já agora, os cenários foram pintados(se a memória não me atraiçoa) pelo Sr Fernando Matos, um retratista, caricaturista e também escultor de quem nunca mais ouvi falar. Havia dois "Matos" no aeroporto: para os distinguir, um deles era o Matos das Barbas.

O Sr Fernando Matos dominava a pintura a carvão. Os retratos que estavam no antigo Atlântida Cine eram da sua autoria. E por muito que o queira esquecer, volta a lambrar-me dele sempre que vou ao Asas.

As Asas que são os puxadores das portas do Clube foram feitas por ele.
Lembro-me de o ver fazer os moldes em gesso ou areia.

Eu era um miúdo na altura e passava a maior parte do meu tempo no Asas. Ele nunca me perguntou o que é que eu queria quando me punha a observar durante horas o que ele fazia. Também não o chateava nem incomadava. E, volta e meia, ele lá dizia qualquer coisa. Estou-lhe grato por nunca me ter dado uma corrida. (Também se me tivesse dado não estava agora a falar bem dele...) Era um artista.

- Estás ouvindo, Sr Matos. Foste um dos meus primeiros heróis.
Eu bem que tentava em casa ver se conseguia desenhar alguma coisa, mas nada. Para mim, o Sr Matos era um prodígio, um caso à parte, era aquilo que eu gostava de ser mas uma meta inatingível.

Por tudo o que o senhor Lopes de Araújo e também o senhor Fernando Matos representaram naquela época, era louvável que alguém acautelasse o que resta das suas obras e perpetuizasse as suas memórias. Um repto que fica lançado.


Rosélio Reis