sexta-feira, julho 10, 2009

CREPUSCULO poema de José Maria Lopes de Araujo




CREPÚSCULO



Já nada mais espero desta vida
Além do teu amor, do teu carinho,
São bênçãos que me sulcam o caminho
Que vou pisando, antes da partida !


A Cruz é mais pesada, na subida,
E custa-me arrastá-la assim sozinho,
Pois vão peando os anos, á medida
Que as forças vão faltando, no nosso ninho.


E enquanto vamos indo, lado a lado,
Deixamos, na distância do passado,
A imagem dessa mágoa que ficou.


Na esperança de dias venturosos ...
Recordação de instantes tão saudosos
Que, longe, no horizonte, se esfumou !



JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO
do Livro " Outono da Vida "

IRMÃ TRISTEZA poema de José Maris Lopes de Araújo



IRMÃ TRISTEZA



Era uma vez ... Fatigada
De fazer sofrer e magoar,
Uma fada encantada,
Cansada de chorar e fazer chorar,
Entrou dentro de mim e disse :


- Não quero mais sair desta prisão !
Vou, para sempre, aqui ficar ...
Venho, para sempre morar,
Dentro do teu coração !


- Quem és tu ? – interroguei,
Apavorado.
Ela respondeu :
- Não sei ... não sei ..
Só sei que te não posso ver,
Viver assim,
Atormentado !


Mas, quem és tu, quem me fala assim ?
- És a dor? A saudade ? A amargura ?
- Onde moras e donde vens ?
Do mar ? Do céu ? Da noite escura ?
Ou do ignoto mistério da natureza ?


E a voz de longe respondeu,
Baixinho, como quem reza –
- “ Sem mais sim, sem mais não “ :
- Sou a tua irmã tristeza !
Que importa quem seja eu,
Se vier, nos braços da paz,
Para sempre, adormecer
Dentro do teu coração !



JOSÈ MARIA LOPES DE ARAÚJO
do livro " Outono dqa Vida "

MUNDO DE POETA poema de José Maria Lopes de Araújo



MUNDO DE POETA


Se vives por viver, desprendido
Deste Mundo,
Entregue ao teu íntimo sofrer,
Em silêncio profundo ...
Se abres o coração
À dor alheia,
E te saltam também dos olhos
As lágrimas dos outros olhos,
Em triste manhã de Inverno
Ou noite de lua cheia...


Se vibras de encanto
Com a estranha e singular
Beleza
Do céu, do mar,
Da Terra,
De toda a Natureza ...


Se entendes a amargura
Dos torturados ...
Se dás a tua mão, unindo-a bem
À de quem sua mão
Te estende também ...


Se sentes vontade de gritar
Quando a injustiça te gera revolta
E consegue abafar
O clamor que não se solta !


Se entras no Templo
Da tua alma,
Para viveres a vida de um asceta,
Quando te chora o coração ...
Meu amigo e meu irmão,
No sofrimento e na dor,
O teu mundo é um mundo diferente :
- Um verdadeiro mundo de poeta ...
- Um mundo todo Paz e todo Amor ! ...


JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO
do Livro "Outono da Vida "

quinta-feira, julho 09, 2009

QUEM poema de José Maria Lopes de Araújo





QUEM ?


Que importa que o vento leve ,
Para longe , esta canção ,
Triste e fria, como a neve,
Que envolve o meu coração .


Que importa que seja o vento
Quem me venha segredar
Que apenas o sofrimento
Se adivinha em meu cantar !


Bem o sei, e muito embora
Eu me tente libertar
Desta dor que me apavora,
Me escraviza e faz chorar.


Quem vem comigo, quem vem
Fugir desta soledade,
Em busca daquele bem
Que se chama liberdade ?


Parto, não sei para onde ...
- Quem vem comigo, quem vem ?
E a voz do longe responde :
- Ninguém mais, ninguém, ninguém ! ...


Eu nada consigo, nada ...
Tudo em mim é desventura ,
E pela noite calada
Passeia a minha loucura ,


A gritar o meu tormento,
Esta mágoa que perdura ,
E traz-me, a cada momento,
O fel da minha amargura ...


- Quem vem comigo cantar
O hino da paz e do amor,
E a todo o mundo levar
A alegria e nunca a dor ?


Vai, caminha, sem ninguém :
- Sibila-me a voz do vento,
Quando pergunto : - Quem vem
Suavizar o meu tormento ? ...



JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO
do livro " Outono da Vida "

CARTA poema de José Maria Lopes de Araújo





CARTA


Estou só ... Muito sozinho ...
Na tua ausência, querida,
É mais áspero o caminho
Que vou pisando, na vida !

Nem que seja um só dia,
Sem ti, já não sei viver ...
Foge de mim a alegria ...
... E sinto-me entristecer !


Torna-se o mar mais cinzento ...
Do céu caem gotas de água
Que são farpas de tormento,
Que são lágrimas de mágoa !


Separados, minha dor
Não tem remédio nenhum,
Porque sempre , meu amor,
Tu e eu formamos Um !


Um só Ser, um coração
Que tem o mesmo bater ...
Uma única oração
Aquece o nosso viver !


É por isso que te escrevo ...
Não consigo assim falar
A quem me possa entender,
A quem me saiba escutar !


Mesmo longe, vives perto ...
Muito pertinho de mim.
Podes crer que estou bem certo
De que ninguém vive assim !


Ronda em minha alma a saudade,
Por não te poder falar ...
Cresce em mim esta ansiedade
De escrever, desabafar !


Mas que ilusão esta a minha ...
Nem sequer saber esperar ...
Quando afinal, à noitinha,
Tu voltas ao nosso lar ! ...


JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO

do livro " Outono da Vida "

NEM ESCRAVOS, NEM SENHORES poema de José Maria Lopes de Araújo




NEM ESCRAVOS , NEM SENHORES


Deixem-me gritar a minha loucura ...
Quero que ela seja ouvida
E se faça vivo facho, na noite escura
Da minha vida !


Deixa-me dizer Não e Não,
Mesmo quando o coração
Tente arrancar-me um sim....


É que eu quero ser diferente
Dos outros, dos outros ...
E ser somente, somente,
Igual a mim !



Se é de louco o meu olhar,
Maior loucura encerra
O teu fixar ...
Aterrador fixar !


Sou livre ... Quem o nega ? Quem ?
Deixem-me partir, clamando,
Aos quatro ventos,
Que tenho um mundo meu,
Só meu e de mais ninguém ...


Um mundo diferente do teu,
Um mundo que não tem
Barreiras de inveja,
Fundos sulcos de ódios
E tormentos !


Deixem-me cantar a liberdade
De poder gritar
A toda a gente :



- Sou isento e livre !
- Não tenho senhores
Nem sou escravo !
Não quero condomínios ...
Quero total independência ...
Quero ser livre ...
Ser diferente de outra gente,
Respirar o ar puro da liberdade
E ser mesmo um outro Ser diferente !


JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO
do livro " Outono da Vida "

PARTIDA poema de José Maria Lopes de Araújo





PARTIDA



Desde a hora em que partiste
- Parece ter sido há tanto –
No álacre lar que tu viste
Há tristeza, em cada canto ! ...


Há mais frio nos serões ...
No silêncio, a alma chora ...
E nos nossos corações
Há menos calor, agora !


Volta, volta novamente,
A tua casa, ao teu Luar
Onde só, com nossa gente ,
Se conjuga o verbo amar ! ...


Contigo, foi-se a alegria ,
E ficou a soledade ...
Na tua cama, vazia
Deita-se agora a saudade !


JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO
do livro " Outono da Vida "

UTOPIA poema de José Maria Lopes de Araújo




UTOPIA


Quem me dera, quem me dera fugir
Deste negro cárcere,
Desta dura prisão,
Onde há muito vivo
Abandonado, cativo,
Nos braços da solidão !


Se eu pudesse viver
Dentro de ti,
E tu, bem dentro de mim,
Mas sem ninguém entender
O nosso viver assim...


Isolados neste mundo ...
Alimentando uma esperança
Que virá, não sei bem donde ..
... Na chama do amor vivendo,
O coração não se cansa !


Quem conseguisse viver este dia,
O dia de hoje, como se fosse
O último da minha vida ...
Esmagando ressentimentos,
Aleijando-me de toda a podridão
Que me enegrece a alma e enluta o coração !


Quem pudesse suster
Os passos incertos
No caminho errado
Do nosso viver !
E ao passado não voltar ...
E saber esquecer,
Esquecer e perdoar !


Quem pudesse reter
A lágrima que teima,
Dolorida,
Soltar-se dos olhos vidrados,
E que queima
Os rostos enrugados
Dos vencidos da vida ! ...


Mas, nada disto consigo,
No tresloucado pensar
De poeta sonhador ...
Quem me dera esmagar
Todo esse desejo vão
Que nasce da minha dor
E vive em meu coração .

JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO

do Livro " Outono da Vida "

OBRIGADO, SENHOR poema de José Maria Lopes de Araújo




OBRIGADO, SENHOR



Obrigado, Senhor,
Porque hoje, mais uma vez ,
Me cobriste com teu amor,
Pois, neste momento,
Destruindo desejos vãos
Me fizeste entender
Que mais não sou, no meu viver,
Do que simples instrumento
Nas tuas Santas Mãos !


Obrigado, Senhor,
Pelo abandonado que me enviaste,
Tornando-o Cruz, no meu caminho,
Não como aquela, pesada, que arrastaste
No Gólgota, sozinho ..
Mas uma Cruz de Amor,
Uma Cruz de Bem e de Carinho ...
E fizeste, Senhor,
Com que meus olhos vissem
Em cada espinho
Uma flor !


Por isso, neste dia que passa
Te dou um forte Sim ...
Quero inundar-me na Tua Graça,
Com verdadeiro Amor,
Sempre que te lembres de mim,
Sempre que te lembres
Deste pecador ...



Obrigado, Senhor ! ...

Obrigado, Senhor ! ...



JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO
do livro " Outono da Vida "

POESIA poema de José Maria Lopes de Araújo





POESIA


Poesia?
Vais encontrá-la numa candura do olhar
De uma criança !
Na ruga tortuosa e funda
De um velho que abandona
A barca da esperança !


Poesia?
Ei-la que surge, em teu caminho,
Recordando uma história do passado ,
Eivada de beleza ,
Com momentos de alegria
E horas de tristeza !


Poesia ?
Existe, sim, existe
No indizível encanto
Duma flor...
Num breve momento triste ...
No rumorejo da fonte,
Na imagem da saudade
Que se perde no horizonte,


No adeus de quem parte,
No adeus de quem fica,
Em tudo que se envolve
De encanto e sonho e arte ! ...


Poesia?
Ei-la, na vida,
Nos braços ressequidos,
Erguidos para o céu ,
Num marcante símbolo de abandono
Que é a árvore despida,
Em tardes pálidas de Outono !


Poesia ?
Ei-la, adormecida,
Nas noites cálidas de Agosto,
No brilho das estrelas,
Na branca espuma do mar,
Á hora triste do sol - posto,
Com a brisa a murmurar !


Poesia ?
Respiramo-la ...
Inunda o nosso viver ...
Existe ... existe em tudo,
Menos nesse tudo
Que se diz poesia,
Sem nunca poesia ser !


JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO
do livro " Outono da Vida "

NOVO LAR poema de José Maria Lopes de Araújo






NOVO LAR


O nosso pai e a nossa mãe velhinha,
Chorosos, hoje, vêm-me partir,
Um novo lar, “ ditoso ? “ ir construir,
Pequeno “ reino “ onde serás rainha ? ...


Partes feliz, bem sei, tenho a certeza.
E eu fico triste, só talvez por ver
Os nossos pais chorando, sem saber
Se choram de alegria ou de tristeza !


Na hora em que partiste, em que deixaste
O lar, onde nasceste, onde brincaste
E emoldurou a tua mocidade,


Alguém veio preencher o teu lugar :
Silenciosa e triste eu vi entrar,
A pálida figura da Saudade ! ....

22-05-1943




JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO

do livro " Outono da Vida "

MAR poema de José Maria Lopes de Araújo




MAR


Espuma branca subindo ,
Subindo sempre, no ar ,
É rendilhado caindo
Nas salsas ondas do mar !


Mar castanho, mar cinzento ,
Mas sem ter cor definida ..
Mar que fala do tormento
Que atormenta a minha vida !


Eu não posso viver, não ,
Um só dia, sem ver mar ...
Dá-me vida, ao coração ,
O seu doce marulhar !


É meu ímpio carcereiro ...
Não me deixa em liberdade !
Mar dum luar de Janeiro
Mar dum luar de saudade !


Por que me prendes assim,
Quando, às vezes, fugir tento,
Para enfrentar dentro de mim
E abafar o meu tormento ?


Deixa-me partir, um dia,
Para, mais tarde, voltar
Nos braços da nostalgia
E então poder-te abraçar !


Não posso, nem sei viver
Sem ouvir a voz do mar,
Que me faz adormecer
Nessa canção de embalar !


Mar da morte, mar da vida ,
Mar de lágrima salgada ...
Tens tristeza, na partida,
E alegria na chegada !


JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO
do livro " Outono da Vida "

TORMENTO poema de José Maria Lopes de Araújo





TORMENTO



Bem queria em Graça estar
O resto da minha vida ...
Que amanhã pode chegar
O momento da partida ! ...


Quanto tempo vai durar
O nosso viver, querida ?
Quem pudesse adivinhar ,
Como e quando a despedida !


E tudo isto é quanto inquieta
A minha alma de poeta,
Que não cessa de sofrer ,


Com esta ideia constante
De que a vida é um instante
Que mal se chega a viver ! ...


JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO
do livro " Outono da Vida "

MENINO DE ROSTO SUJO poema de José Maria Lopes de Araújo



MENINO DE ROSTO SUJO ........

A ti, menino de ninguém


Sem norte era teu caminho,
Jornada de mágoa e dor ...
Tinhas sede de carinho ...
Trazias fome de amor !


De rosto sujo, menino ...
Como é negro o teu destino !


A lágrima que rolava
No teu rosto macerado,
Amargamente falava
De um tormentoso passado ...


Um passado curto ainda
Tão tristemente marcado ...
A este mundo, tua vinda
Foi o fruto do pecado !


Dum pecado que persiste
A marcar a tua vida ...
Uma esperança tão triste
Feita de esperança perdida !



Como é negro o teu destino !
De olhos molhados, menino ...


É que não ter o calor
De mãe, de pai ou de alguém,
É viver-se sem amor ,
Sem carinho de ninguém !


No rosto sujo teus olhos
Que trazem tanta amargura,
Mostram bem teu mar de escolhos,
Menino órfão de ventura !



De olhos molhados, menino ...
Como é triste o teu destino !



JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO

do Livro " Outono da Vida "

segunda-feira, julho 06, 2009

Lopes de Araújo ( filho)




Agradeço sensibilizado uma vez mais as palavras do Daniel sobre o meu saudoso Pai.

Agradeço as palavras do Onésimo e a referência ao estudo do Prof.Gustavo de Fraga amigo que tão bem conheci.Agradeço ao João Luís ter posto no Forum o link do Blog da iniciativa de uma amiga Mariense Isabel Valente.Agradeço em nome de meu pai que faz este ano quinze anos partiu por fim para a grande viagem...

Digo por fim porque desde o seu primeiro livro de poemas publicado quando tinha apenas 20 e poucos anos,(Noite de Alma-1944) a morte e o mistério insondável do além marcou não só a sua poesia, mas a sua própria existência.

Toda a sua poesia foi publicada em edições de autor,recusando sempre os apoios e os subsídios à edição.Por esta e outras razões a sua poesia não saiu das paredes da ilha e foi agora a mão amiga da mariense Isabel Valente que ao colocá-la no mundo da net, a fez chegar já a tantos que até agora desconheciam os seus versos.Estou muito grato a ela que fez o que eu gostava de ter feito e não fui capaz de fazer!

O Daniel sabe que a estima que nos une é mútua e que meu Pai tinha por ele uma admiração e carinho sem limites.

Hoje tenho eu a mesma admiração pelo Daniel se bem que nunca tivesse tido muitas oportunidades de o manifestar assim publicamente.

Faço-o hoje e com prazer e espero ainda ir a tempo.

Por esse mundo etéreo da net rodando à volta do globo em todo o lado e em sítio nenhum, a saudade trouxe-me pela vossa mão o meu pai vivo e presente... por breves momentos.

Como se essa forte relação do meu pai com o Daniel,começada em Santa Maria há mais de cinquenta anos, ultrapassasse o olhar da Bela Vista para Santana e se estendesse de repente para além do Paúl e do Pico Alto pelo céu adentro até á eternidade...
Obrigado a todos por este momento de felicidade e de saudade no fim da tarde desta sexta-feira de entrudo!


LA ( LOPES ARAÚJO -filho)




Depoimento do Escritor DANIEL DE SÁ, sobre o poeta JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO

Tenho alguma dificuldade em falar do poeta Lopes de Araújo, porque lhe fui tão próximo, que até me atrevo a julgar que, além da família de sangue, talvez ninguém tenha gostado tanto dele quanto eu. E creio até que não se pode entender bem a sua poesia sem lhe conhecer a vida. Lopes de Araújo nunca foi um fingidor. Não escapando à trilogia fatal de quase todos os poetas (a vida, o amor e a morte), ele foi um homem que amou a vida e amou o amor e que não teve pudor algum em manifestar a sua fragilidade perante a ideia da morte. Creio que, tanto como eu, ele repudiaria essa parvoíce da divisa dos Açores “Antes morrer vivos do que em paz sujeitos”, herdada de Ciprião de Figueiredo e tomada do B.I.I. 17. Porque não há maior sujeição do que a morte.


Lopes de Araújo teve o mérito de teimar em ser o que era, ou de ser poeta como sentia que era, sem arriscar as novas formas poéticas, muitas delas meramente experimentais e que ficaram como casos dignos de estudo mas dificilmente como escola para o futuro. Romântico, anacrónico talvez perante as correntes da moda, hoje, quando todas as formas da Arte já não são definidas pelo tempo nem pelo modo, pode voltar a ler-se a sua poesia como um puro exercício de “falas do coração”. E, quem disser que a poesia não é isto precisamente, nunca foi poeta ou nunca o será.

Daniel

sexta-feira, julho 03, 2009

Fotos da peça de Teatro " Estas-te Consolando " de JOSÉ MARIA LOPES DE ARAUJO

Recebi da ANA LOURA, uma fã do nosso querido poeta açoreano
" JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO " algumas fotos históricas da peça de teatro " ESTAS-TE CONSOLANDO ".





















Porque este blog é todo ele dedicado ao POETA, aqui deixo também algumas recordações partilhadas por e-mail, de outra pessoa que o conheceu pessoalmente o poeta JOSÉ MARIA LOPES DE ARAÚJO, partilhando connosco a sua admiração e saudade, é Sr. ROSÉLIO REIS da ilha de S. Maria , Açores "

Transcrição do e-mail:


" Cara amiga Ana Loura:

Obrigado pelas fotos que apreciei. Foi a melhor coisa que me podiam oferecer: também se vive de recordações. Ou por outra, recordar amolece-me o coração e também me entristece por causa das saudades que tenho de quando era menini e moço.
Por acaso vi a revista por duas vezes e foi lindo. Não me lembro da minha idade na altura (9, 10, 11...?) Lembro-me perfeitamente de algumas das pessoas que estão nas fotos, quase todas falecidas, e de muitas das cantigas com arranjos de Teófilo Frazão.




Do autor tenho uma boa memória. Era uma pessoa culta e escreveu poesia, parte dela reunida em "Cinzas Quentes". Adaptou para a Rádio CAA algumas radionovelas. Era uma pessoa com muito espírito de humor, um repentista e um bom observador da sociedade da época, que caricaturou de uma forma impecável. Era um bom contador de histórias e de anedotas, gostava imenso de atirar piadas, mas não ficou por cima com uma resposta que um dos seus alunos, no Externato, lhe deu.
O aluno vestia um casaco com uma daquelas golas peludas que estavam na moda. O Sr Lopes de Araújo, que era careca, e para fazer graça, perguntou ao aluno, batendo com o dedo indicador na gola:

- Já puseste DDT aí?

O aluno não se atrapalhou e respondeu, tocando com o dedo na cabeça:

- Nã senhor, que faz cair o cabelo...

Num tempo em que não havia televisão, nem computadores, nem liberdade de "dizer" coisas, para já nem falar da liberdade de expressão, tudo o que não era cinzentão ou preto dava alegria à vida triste que se vivia naquele tempo dito das "vacas magras". (Coitadas das vacas: não eram gordas nem magras mas ficaram como símbolo de um tempo de servidão, como se fossem culpadas das velhacarias dos humanos...) Por isso, o Sr Lopes de Araújo, com a revista "Estás-te Consolando" e a outra que fez mais tarde (não me lembro bem do nome (Ai não me digas??)mas o bombo da festa era o Carlinhos (o Carlos Gil)), deu um grande contributo à sociedade na qual se integrou, envolvendo dezenas ou centenas de pessoas, merecendo que a sua memória seja lembrada e respeitada.

Um abraço
Rosélio "


*****************






Já agora, os cenários foram pintados(se a memória não me atraiçoa) pelo Sr Fernando Matos, um retratista, caricaturista e também escultor de quem nunca mais ouvi falar. Havia dois "Matos" no aeroporto: para os distinguir, um deles era o Matos das Barbas.

O Sr Fernando Matos dominava a pintura a carvão. Os retratos que estavam no antigo Atlântida Cine eram da sua autoria. E por muito que o queira esquecer, volta a lambrar-me dele sempre que vou ao Asas.

As Asas que são os puxadores das portas do Clube foram feitas por ele.
Lembro-me de o ver fazer os moldes em gesso ou areia.

Eu era um miúdo na altura e passava a maior parte do meu tempo no Asas. Ele nunca me perguntou o que é que eu queria quando me punha a observar durante horas o que ele fazia. Também não o chateava nem incomadava. E, volta e meia, ele lá dizia qualquer coisa. Estou-lhe grato por nunca me ter dado uma corrida. (Também se me tivesse dado não estava agora a falar bem dele...) Era um artista.

- Estás ouvindo, Sr Matos. Foste um dos meus primeiros heróis.
Eu bem que tentava em casa ver se conseguia desenhar alguma coisa, mas nada. Para mim, o Sr Matos era um prodígio, um caso à parte, era aquilo que eu gostava de ser mas uma meta inatingível.

Por tudo o que o senhor Lopes de Araújo e também o senhor Fernando Matos representaram naquela época, era louvável que alguém acautelasse o que resta das suas obras e perpetuizasse as suas memórias. Um repto que fica lançado.


Rosélio Reis